A retórica do empreendedorismo e a formação para o trabalho na sociedade brasileira
Antonia Colbari (Universidade Federal do Espírito Santo - Brasil; CNPq)
colbari@npd.ufes.br

Tem sido comum nas tendências recentes dos processos de qualificação para o trabalho a ênfase nas habilidades e nas virtudes do sujeito empreendedor, inovador e promotor do próprio desenvolvimento. Verifica-se, também, na socialização da população mais jovem, sobretudo estudantes de nível médio e superior, a presença de conteúdos técnicos e valorativos relacionados ao empreendedorismo. Neste estudo, busca-se compreender o movimento de revigoramento do empreendedorismo, o que inclui o desafio de problematizar uma construção discursiva de enquadramento teórico inconsistente, cujos significados não constituem pontos consensuais na literatura acadêmica e no debate público em geral. Se, na acepção clássica, inseria-se em uma cultura eminentemente capitalista, no momento atual, aparece associado a múltiplas modalidades de inserção na prática econômica e também no campo social e político. Pelo menos três dimensões sustentam os vários eixos analíticos alinhados na abordagem do fenômeno.
1. integra a moldura da socialização e qualificação para o trabalho ao incorporar ao perfil do empregado e ao mapa de competências das empresas, as virtudes empreendedoras do trabalhador assalariado.
2. aparece como conseqüência da reestruturação produtiva que promove tanto a desverticalização, quanto a redução do mercado de trabalho. Ambos contribuem para abalar os suportes institucionais e normativos bem como as referências morais e culturais subjacentes ao modelo de emprego típico - assalariado, estável, em tempo integral, acompanhado de benefícios e proteção social.
3. integra projetos políticos alternativos ao trabalho assalariado que inspiram políticas de emprego e estimulam a emergência de novos arranjos fundados em relações sociais, nos quais a racionalidade do mercado não é a única mola da atividade econômica, entre eles a produção familiar, a produção artesanal, a cooperativa, as variantes da economia solidária, etc.
Grosso modo, a concepção tradicional do empreendedor sedimenta uma imagem romântica e mitificada de um indivíduo portador de qualidades e habilidades excepcionais descoladas dos contextos sócio-econômicos e culturais. As novas significações minimizam os componentes míticos-heróicos, as supostas qualidades inatas e enfatizam os fatores e processos que facilitam ou desencorajam o comportamento empreendedor.
Numa perspectiva histórica, é possível demarcar continuidades e rupturas no terreno dos significados da retórica do empreededorismo. No passado, os ímpetos empreendedores, identificados entre segmentos da população brasileira, de alguma maneira contribuíram para potencializar as dificuldades na formação de um mercado de trabalho urbano. Na fase inicial do desenvolvimento industrial brasileiro, a condição de assalariado era encarada como transitória, uma forma de adquirir recursos que permitissem a conversão em trabalhador autônomo.
O regime salarial, tal como nos países pioneiros da industrialização, enfrentou resistência para se impor, mas acabou triunfando, marcando a superioridade da racionalidade capitalista frente aos padrões tradicionais que estruturavam as relações econômicas e sociais. A interiorização de um ethos profissional e de uma visão de mundo que legitimavam o padrão de relações de trabalho capitalista industrial foi facilitada pela criação das entidades de formação profissional e socialização do trabalhador - o Sistema S.
A partir dos anos 90, o auto-emprego, que havia recuado com a aceleração da industrialização, voltou a ser um fenômeno em destaque na sociedade brasileira. Como revela o relatório do GEM (Global Entrepreneuership Monitor), o Brasil é um dos países de maior taxa de iniciativas de empreendimento. Ainda, na década de 90, com objetivo de implementar programas em diversas áreas, incluindo educação e treinamento, voltadas ao pequenos negócio, o Sebrae adquire status legal semelhante as demais instituições o Sistema S .
As múltiplas acepções do empreendedorismo estão permeadas de ambigüidades. São acionadas como recurso ideológico que legitima a concepção de transitoriedade dos empregos, facilitando a sobrevivência em contextos de retração do emprego formal. Por outro lado, sinalizam uma nova faceta do universo produtivo cujo desenho técnico e social demanda um sujeito ativo, portador de conhecimentos e habilidades operatórias, sociais e culturais distantes do modelo de trabalhador consagrado pela produção fordista.

A cultura da escola profissionalizante e a formação das visões de mundo de trabalhadores
Suzana Burnier (Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais, CEFET-MG, Brasil)
sburnier@poboxes.com

O presente trabalho discute os diálogos entre a socialização primária de técnicos de nível médio de diferentes origens sociais e a formação profissional escolar, analisando o impacto dessa nos habitus desses sujeitos. Focalizam-se as experiências vividas pelos investigados numa instituição profissionalizante com forte tradição de "cobrança" com relação aos alunos, demonstrando como o ethos cultivado por essa escola dialoga e interfere nas visões de mundo e projetos desses sujeitos, em sua relação com o saber, com o trabalho e com os grupos sociais dos quais se originam, favorecendo sua metamorfose ora em mediadores culturais, ora em trânsfugas.
A pesquisa acompanhou, durante 3 anos, 20 egressos de uma escola profissionalizante (aqui chamada de Instituto Tecnológico ou IT), divididos em dois grupos, um deles formado em 1986 e o outro em 1996. São analisados aspectos da cultura dessa escola, como: o lugar social ocupado pela escola, o espaço físico, as relações sociais em seu interior, o trabalho com os conteúdos e o sistema de avaliação e como esse conjunto de práticas e representações repercute na formação desses sujeitos, segundo seu próprio ponto de vista.
Observa-se que os efeitos da cultura escolar são reelaborados e resignificados pelos alunos, a partir de seu campo de possibilidades. Para o bem e para o mal, nem sempre as intenções educativas concretizam-se tal como esperado. A análise das contradições desse processo nos permite identificar práticas e valores que podem muito concretamente ser apontados como aqueles que favorecem - ou não- o avanço dos processos educativos profissionalizantes para além de uma mera formação técnica, na direção de uma educação tecnológica.
O texto indica então o processo de construção de uma relação com o saber, pelo aluno, como fruto de uma elaboração complexa em que são integrados saberes de diversas origens. Na escola profissionalizante, centrada na formação para o trabalho, a cultura das classes trabalhadoras faz-se presente, se não de maneira evidente e intencional nos currículos, com certeza na reinterpretação, pelo alunos, dos valores e práticas aí veiculados. Essas reinterpretações podem surpreender, como aquelas que conferem valor positivo a um sistema acadêmico altamente exigente, mas não necessariamente identificado com a formação para o individualismo ou a competição.
No contexto da modernidade tardia, estar inserido em parâmetros de racionalidade pode significar a fronteira entre a exclusão e a inclusão social. Entretanto, tal competência não dever ser isolada da formação do Sujeito, através da qual se permite a expressão de identidades, subjetividades, idiossincrasias e necessidades.
Construir e aprimorar processos pedagógicos de formação para o trabalho parece então envolver uma reflexão mais cuidadosa acerca da tensão razão x sujeito, tanto a nível de formulação teórica quanto, principalmente, no caso da educação, de proposição de práticas educativas que integrem ambos os pólos dessa equação.
No atual contexto dos debates pedagógicos, o artigo pretende dar maior visibilidade ao pólo da tensão entre razão e sujeito referente ao segundo elemento, promovendo uma fina aproximação do universo cultural dos egressos do Instituto Tecnológico, analisando atentamente as teias de significados por eles tecidas e que, caso sejam levadas em conta pelos processos formativos, permitem construir a mediação entre formação técnica, científica, cidadã, cultural e individual, favorecendo a aproximação dos processos de formação profissional dos objetivos históricos de formação omnilateral.


Mercado de Trabalho na Amazônia Brasileira: um estudo sobre demissão voluntária de bancários e reinserção profissional.
Ida Lenir Maria Pena Gonçalves - Faculdade do Pará - FAP
idalenir@amazon.com.br

A presente comunicação focaliza a dinâmica do mercado de trabalho na Região Amazônica, especificamente, na Região Metropolitana de Belém, a partir da reinserção profissional de trabalhadores de um banco público que aderiram ao plano de demissão voluntária, em 1995. Esse plano foi uma das estratégias deflagradas pela empresa bancária para promover o "enxugamento" de seu quadro funcional, como parte da adequação tecnológica e de gestão ao novo paradigma produtivo mundial. Uma característica marcante dessa estratégia se dá no "voluntariado" da demissão. Isto é, aos empregados, foi consentido optar pela rescisão do contrato de trabalho sem a perda dos direitos trabalhistas e, ainda, com certos incentivos pecuniários e de estímulo ao empreendedorismo. Ao mesmo tempo, foram tomadas medidas coersitivas, tais como transferências compulsórias e destituição de empregados dos cargos de chefia.
Deve-se ressaltar que a região metropolitana de Belém, Pará, Brasil, caracteriza-se por uma reduzida base produtiva, na qual o peso do setor industrial é pequeno é onde se destaca o setor terciário (comércio e serviços). Em maio de 1995, segundo o DIEESE - Departamento Intersindical de Estatísticas Sócio-econômicas, 11,2% da PEA (população economicamente ativa) se encontrava desempregada e 37,3% desenvolvia atividades no mercado informal. Portanto, é nesse contexto de desemprego e precarização das relações de trabalho, que cento e trinta e nove trabalhadores aderiram à demissão voluntária Obteve-se a situação laboral (em julho de 2001) de cento e vinte e oito; desses, quarenta foram entrevistados e reconstituídas suas trajetórias ocupacionais, no período de agosto/ 1995 a julho/ 2001. Procurou-se privilegiar a perspectiva dos ex-bancários sobre os fatores que facilitaram ou dificultaram sua reinserção no mercado de trabalho e analisar sua trajetória em busca de um posto de trabalho e/ou na construção do próprio empreendimento.
Nas entrevistas, pode-se aferir que o trabalhador, ao aderir ao plano, tinha conhecimento das exigências profissiográficas para exercer uma nova atividade, quaisquer que fossem os setores nos quais pretendesse ingressar. A leitura feita por eles é de que estavam capacitados para enfrentar a concorrência. No entanto, não foi isso que ocorreu. A maioria teve dificuldade de manter o negócio iniciado ou de encontrar um novo emprego do mesmo padrão do anterior. Os fatores que influenciaram negativamente se referiram às variações do mercado ou às qualidades adscritas (sexo, idade, cor); o êxito foi atribuído a qualidades pessoais, como a persistência e dedicação ou a qualidades adquiridas, como a qualificação.

Cooperativismo no Paraná e a nova cidadania
Lilliana Bortolini Ramos (Universidade Estadual de Ponta Grossa)

O cooperativismo vem crescendo e tomando corpo em todo o mundo, nos seus mais variados ramos, contando atualmente com mais de 800 milhões de cooperados. Tal panorama não é diferente no Brasil, onde o desemprego e os problemas nas relações trabalhistas entre empregados e empregadores vêm aumentando, e o cooperativismo aparece como uma tentativa de reordenação da sociedade, através da união de pessoas e do seu trabalho, buscando satisfazer suas necessidades econômicas, sociais e culturais. O presente trabalho pretende apresentar um mapeamento do cooperativismo no Estado do Paraná, que contava até meados de 2003 com mais de 245 mil cooperados integrantes das 193 cooperativas registradas, com faturamento anual superior a R$ 8 bilhões, correspondentes a 10,3% do PIB do estado. O cooperativismo agropecuário, exemplificativamente, representa mais de 50% da economia agrícola do estado, participando de forma intensa de todo o processo de produção, armazenamento e industrialização agropecuário, fazendo com que o associado seja um sujeito ativo, participante do mercado interno e externo e das ações sociais da comunidade em que vive. Desde 2001 as cooperativas atendem cerca de 25% da população rural do Estado do Paraná e são, em muitos municípios, as mais importantes empresas econômicas e geradoras de receitas da região. Paralelamente, o estudo tem como foco a relação do cooperativismo paranaense com a busca do resgate da "nova" cidadania, assim entendida como a possibilidade de definir, criar e alterar a sociedade na qual somos e seremos incluídos, incorporando-se nessa o direito à igualdade e à diferença.

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