Angola: rent-seeekers e rent-extractors e o dilema do crescimento económico e do desenvolvimento
Manuel Ennes Ferreira
Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG), Lisboa
mfereira@iseg.utl.pt

Uma das interpretações mais comuns relativamente ao fraco desempenho económico de Angola e à situação social pungente que aí se vive, foca a sua atenção no comportamento da classe dirigente - a elite para alguns. Este comportamento, assente num interesse mais voltado para a apropriação privada do Estado, concentra-se naquilo que é chamado o fenómeno rent-seeking. Neste sentido, o exercício do poder teria como aspecto fundamental não a preocupação de assegurar as condições de crescimento económico e de desenvolvimento do país mas apenas a acumulação de riqueza, como se de um fim em si mesmo se tratasse. Este quadro seria tanto mais agravado quanto, por um lado, existisse uma ausência de uma sólida base de funcionamento da economia assente na economia privada em alternativa ao peso que o sector do Estado desempenha; por outro, a geração de riqueza tivesse proveniência de uma matéria-prima. A criação de uma elite dirigente seria, neste contexto, adversa ao desenvolvimento do país já que a sua atitude de rent-seeker a partir da apropriação e da distribuição da renda do Estado lhe conferia um papel passivo e simultaneamente de obstáculo a alternativas fora daquele contexto.
O caso de Angola é, neste quadro, bastante curioso. Uma política económica mal desenhada e conduzida durante o período de guerra civil, seja durante o sistema de economia de direcção cenral seja após a adopção constitucional da economia de mercado, criou as condições para que se pudesse pensar que o petróleo, malgré tout, tivesse sido a garantia de sobrevivência do país. Mas o que se passou foi o inverso. Desistindo desde muito cedo de promover uma política de desenvolvimento face às difíceis circunstâncias em que o país vivia, a classe dirigente cedo se apercebeu que a posição dominante política lhe conferia a possibilidade de aceder a benefícios económicos sem necessidade de perda de tempo e de recursos financeiros em apoio de outro sector que não o petrolífero. A estruturação da economia a partir deste vector, pela apropriação privada do Estado, veio a assumir novos contornos a partir do momento em que a economia de mercado passou a vigorar. Nesta comunicação procurar-se-á lançar uma nova perspectiva sobre esta questão: o que antes era um comportamento típico de rent-seeking passou a co-existir com um outro, este activo por natureza, de rent-extraction. A justaposição de interesses económicos e políticos é aqui bastante mais nítida e o objectivo de crescimento económico, em primeiro lugar, e de desenvolvimento, depois, pode agora ser equacionado dentro de determinados limites que anteriormente estavam ausentes. Esta nova procura de adaptabilidade passa pela coexistência e estímulo de grupos empresariais nacionais que se comportam como autênticas barreiras à entrada de novos agentes económicos. Os interesses privados externos passam, assim, por um filtro evidente. Neste contexto, o desejo manifestado pelas autoridades angolanas na procura de uma solução da dívida externa de Angola e a assinatura de um acordo de ajustamento estrutural com o FMI, devem ser interpretados à luz da racionalidade presente de uma classe dirigente, nos domínios político e económico, simultaneamente rent-extractor e rent-seeker. Assim, o objectivo desta comunicação é procurar mostrar até que ponto o crescimento económico e o desenvolvimento poderão eventualmente ser compatíveis com aquela racionalidade comportamental da elite dirigente. A sua 'disponibilidade' e a 'necessidade' dos acordos atrás referidos bem como os seus limites e o grau de autonomia que gozam nestas negociações serão igualmente abordados.


Democracia e crescimento económico em Cabo Verde e São Tomé e Príncipe (1975-2003): uma relação causal?
Luis Filipe Rainha, Escola Superior de Gestão de Santarém (ESGS)
luis.rainha@esgs.pt
Manuel Ennes Ferreira, Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG)
mfereira@iseg.utl.pt

Os estudos sobre a relação entre democracia e crescimento económico iniciaram-se por volta de 1960, com destaque para o trabalho de Lipset. A partir de então vários autores têm vindo a testar a hipótese da existência de uma correlação entre aquelas duas variáveis. É aceite que a instauração de um regime democrático influencia o ritmo de crescimento económico de um país. Contudo, os factores são de índole diversa e não estão apenas ligados à esfera económica. Ultrapassam-na, condicionando-a. Alguns autores destacam a importância dos direitos políticos e civis para melhorar o clima de confiança junto dos potenciais investidores, ao garantir que as suas propriedades não serão confiscadas; para outros, a democracia permitirá que mais pessoas tenderão a investir, ao mesmo tempo que reforçará a competência e a seriedade dos lideres políticos; para outros ainda, é destacada a importância das instituições democráticas para a preservação dos direitos de propriedade, pelo que as estruturas democráticas podem fomentar o incremento do investimento privado. A chegada do regime democrático cria, assim, expectativas muito altas na sociedade. No entanto, o processo de transição económica exige medidas de política económica restritivas, muitas vezes incompatíveis com aquelas expectativas.
A problemática atrás equacionada adquiriu maior importância após a "queda" do muro de Berlim. A consequência imediata foi o início de dois processos de transição bastante interligados: o primeiro, referente à passagem de sistemas políticos de partido único para sistemas democráticos baseados no multipartidarismo; o segundo, referente ao abandono do sistema económico de direcção central e planificada e a adopção de sistemas económicos baseados nos mecanismos do mercado. O continente africano não ficou impune àqueles 'ventos de mudança', nomeadamente a partir dos finais dos anos 80. A alteração do quadro político, porém, atingiu não apenas países africanos onde prevaleceram regimes socialiatas mas igualmente países cuja economia assentava no funcionamento do mercado. Mas em ambas as situações o exercício do poder era efectuado pelo partido único e o mal-estar politico, económico e social internos e as pressões externas obrigaram os países a adaptarem-se às novas circunstâncias. Apresentada a democracia como contendo virtualidades que permitirá criar condições mais propícias para a obtenção de um maior crescimento económico e desenvolvimento quando conjugada com a economia de mercado, a sua adopção passou a fazer parte das agendas nacional e internacional.
Passados que são mais de dez anos desde que a 'terceira vaga de democratização global' chegou a África, um primeiro balanço sobre o impacto da democracia no crescimento económico pode começar a ser efectuado. Neste sentido, esta comunicação tem por objectivo procurar averiguar da relação existente entre a implantação da democracia e o crescimento económico em Cabo Verde e em São Tomé e Príncipe, no período de 1975-2003. A razão da escolha destes dois países reside no facto de ambos apresentarem aspectos comuns e que conferem um carácter relativamente homogémeo para efeitos comparativos, o que contribui para uma maior coerência numa análise comparativa. De entre eles podem destacar-se: são países lusófonos; ambos se tornaram independentes no mesmo ano (1975) e também procederam à sua transição para a democracia e para um sistema de economia de mercado sensivelmente ao mesmo tempo (1990/91); apresentam o mesmo trajecto político após a independência, ou seja, implementaram um sistema de partido único; adoptaram um sistema económico de direcção e intervenção estatal; possuem economias insulares; são ilhas de pequena dimensão; finalmente, ao contrário do que sucedeu com muitos países africanos, nunca se viveu um período de guerra civil com os consequentes impactos sobre a economia, quer antes quer após a abertura política.


A verticalização das PMEs e a periferização no espaço Lusófono: O caso Caboverdiano.

Victor Reis - ISCTE Centro de Estudos Africanos
victor.reis@mail.telepac.pt

A partir de 1991 o Estado deixa deslizar para o campo privado a iniciativa do crescimento económico. Os espaços de intervenção do Estado são redesenhados e esta passa a esboçar-se na esfera da regulamentação e controlo indicativo da actividade económica. Os planos nacionais de desenvolvimento passam a sublinhar a importância do IDE como instrumento de modernização, de crescimento, de emprego e de equilíbrio das contas externas.
Os modelos de desenvolvimento baseados no investimento público ligado a infraestruturas, educação e saúde e à criação de empresas públicas de transportes , telecomunicações, abastecimento alimentar, energia e água, cedem o lugar ao modelo de integração plena na economia mundial baseado na iniciativa privada e no desenvolvimento dos mercados.
No domínio social sublinha-se ainda o desenvolvimento humano como conceito a marcar a cadência utópica das elites, mesmo quando os mecanismos de mercado passam a moldar novas formas de concentração e se aceite que estas possam ser introduzidas a partir de lógicas externas. Que valham as solidariedades externas quer familiares quer institucionais.
Mas estas solidariedades não se eternizam. E no caso da ajuda pública já começa a observar-se o seu declínio. Por isso se procura que estas solidariedades vão sendo substituídas por actividades locais capazes de garantir fluxos financeiros regulares a longo prazo. E face ao défice de iniciativa privada local se aceite a iniciativa externa como fazendo parte da solução.
Mas é aqui que se justifica que se questionem os limites da actividade privada externa.
Até aqui, os modelos destinados a atrair do IDE de empresas ligadas à actividades de exportação, têm conduzido à instalação de empresas-oficina de reduzido valor acrescentado e impacto tecnológico. São filiais de PMEs de baixa tecnologia que procuram, através da deslocalização, reduzir os custos em certos segmentos da cadeia de valor e, assim, enfrentar um mercado cada vez mais competitivo. Estas filiais , sem autonomia estratégica, comercial ou financeira, estão reféns das casa-mãe. E, em certos casos, estas apresentam as fragilidades de subcontratadas em sistemas de valor controlados por grandes grupos situados em economias centrais. E a sua vitalidade reflecte as vicissitudes do mercado global.
Essas contingências vão tornar contingente o emprego e o rendimento local. A não existência de capacidade de decisão autóctone torna muito frágil e precário o efeito do IDE. Por outro lado, a falta de verticalização dos interesses nacionais das empresas que exploram alguns recursos naturais ( turismo e pescas ) transforma aquilo que poderiam ser as vantagens competitivas locais em vantagens externalizadas.
Por isso este modelo parece ter que rapidamente evoluir para um outro que se baseie em actividades de crescente valor acrescentado exportável. Um modelo em que as escolhas dos investidores estrangeiros não se faça em função dos baixos custos do trabalho indiferenciado mas da competência do trabalho qualificado. Um modelo em que Estado partilhe as decisões em áreas estratégicas especialmente quando isso implique a participação em sistemas de valor que acolham vantagens competitivas internas.
Vendo longe, talvez os ilhéus dêem o exemplo daqueles povos que sempre aprenderam a safar-se mesmo quando projectados na sua enorme solidão de náufragos. Reunindo forças , competências, multiplicando relações, aprendendo a viver a fluidez de um mundo em mudança. E no solidário autocentramento da dignidade do povo encontrar as soluções. Ver longe na educação, na qualificação na multiplicação de interdependências. Ver longe na progressiva integração de quadros em esferas de decisão.
E ainda que na lúcida percepção do seu envolvimento num mundo competitivo, a justeza de manter os laços da equidade como fonte primordial da liberdade.

 

Quando a desigualdade torna-se problema de política internacional: a perspectiva da política externa brasileira.
Paulo Luiz Moreaux Lavigne Esteves (PUC Minas Gerais)

O paper propõe o debate entre as obras de H. Bull e E. H. Carr, para a compreensão do problema da Governança Global. Através dos conceitos de ordem e justiça, como chaves para o entendimento das condições sob as quais a sociedade internacional pode superar o enfrentamento entre haves e have-nots, o paper pretende analisar as reivindicações da política externa brasileira em relação à agenda social internacional e, especialmente, em relação a três das, assim chamadas, metas do milênio: combate à AIDS, promoção da sustentabilidade ambiental e estabelecimento de parcerias globais para o desenvolvimento. A hipótese central, aqui desenvolvida, diz respeito à constituição de um discurso revisionista no qual a reivindicação de justiça, característica dos have-nots, encontra-se acomodada aos elementos centrais de sustentação da ordem internacional, quais sejam, poder, interesses comuns e valores comuns.

 

SIVAM nas relações sul-americanas: um projeto tecnológico de cooperação ou de conflito?
Isabel Cristina Rossi (Universidade Estadual de São Paulo)

O objetivo desse artigo é fazer algumas considerações acerca do Sistema de Vigilância da Amazônia (SIVAM) no período de 1990 a 1996. O SIVAM é um megaprojeto da Amazônia Brasileira Legal, que tem por objetivo conhecê-la, visando minimizar seus problemas, bem como avaliar e explorar suas riquezas. Integra radares, satélites, aviões e estações de monitoramento para rastrear 5,2 milhões de quilômetros quadrados da Amazônia Legal. No Brasil, a chamada Amazônia Legal abrange os estados do Acre, Amazonas, Amapá, Pará, Rondônia, Roraima, Maranhão, Tocantins e Mato Grosso.
A maior reserva natural do planeta será controlada por olhos eletrônicos: 17 antenas de radar para varrer o céu da região 24 horas, cada antena com alcance de 300 Km e em contato com três centros regionais, a saber: Manaus, para vigiar os estados do Amazonas e Roraima; Belém para controlar Pará, Tocantins, Maranhão e Amapá; Porto Velho para observar os estados do Acre, Rondônia e Mato Grosso. Além de 08 aviões Brasília com sensores, 06 radares móveis, 200 sistemas radiolocalizadores, 300 plataformas de coleta de dados, sendo o comando geral em Brasília .
Esta parafernália tecnológica vai monitorar o tráfego aéreo, orientando aviões na área, fornecendo estimativas meteorológicas, estimando o que ocorre nas reservas indígenas, detectando queimadas, possibilitando a análise da contaminação do ar, oferecendo dados sobre a contaminação fluvial, ocupação do solo, permitindo combater o tráfico de drogas e o contrabando e fornecer informações a respeito dos recursos minerais e da biodiversidade .
Conforme Brigagão, o SIVAM constitui-se como estrutura operacional do Sistema de Proteção da Amazônia (SIPAM). Este último integra representantes de todos os órgãos públicos brasileiros com responsabilidade política na região, tanto no âmbito federal como no estadual, em parceria também com as Organizações Não-Governamentais (ONGs). Nesse sentido, o SIVAM pretende fornecer informações, aprofundando o conhecimento sobre a região, para que as instituições públicas responsáveis, ao deter esses dados, possam atuar na região de forma coerente. O SIVAM foi inaugurado, parcialmente (75%), em 25/07/2002, exatamente cinco anos após a assinatura do contrato entre o governo brasileiro e a Raytheon, como previa a execução acordada.
A Amazônia sul-americana por ser uma região multinacional e a Amazônia brasileira macrofronteiriça permite-nos indagar, por exemplo, se os radares do SIVAM irão "invadir" outros territórios e, tal fato sendo verídico, qual o possível alcance e impacto nos demais países amazônicos.

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