Casa grande, senzala e arredores.
Éverton Barbosa Correia - Universidade de São Paulo
ever72ton@ig.com.br

O alcance da repercussão do livro Casa grande e Senzala (1933) de Gilberto Freyre no meio intelectual brasileiro é difícil de limitar, pois se não bastasse a grande efusão provocada pela sua publicação, a partir daí, o livro passou a ser considerado pedra de toque no desenvolvimento das ciências sociais no Brasil e, conseqüentemente, parada obrigatória em qualquer consideração historiográfica do país. Junto com Raízes do Brasil (1936) de Sérgio Buarque de Holanda nós temos uma parelha de livros que influenciaram sobremaneira o modo de enxergar o Brasil e também dos brasileiros verem a si mesmos. Neste sentido, nós giramos em torno de duas obras lapidares para emancipação das ciências sociais no Brasil, cuja autoria é de dois estudiosos, que por profissão estão vinculados à produção acadêmica das ciências sociais, mas que possuem ostensiva produção ultrapassando esse plano. Como a relação dos dois livros entre si trata-se de um jogo de espelhos em que um reflete o outro de modo invertido, se considerarmos as posturas intelectuais dos seus autores e os posicionamentos políticos-ideológicos tomados por um e outro nalgumas ocasiões fundamentais para a história brasileira recente, ao falar de um estaremos inevitavelmente falando do outro. Mas com o fim de delimitar terreno, detenhamo-nos, por ora, na obra de Gilberto Freyre, porque dialoga mais de perto e intensamente com a dimensão literária da representação do Brasil, devido a prosa que o seu livro carrega consigo, a outra parte de sua produção em que se assume nitidamente como autor literário e aos poetas que tomaram seu livro Casa grande e Senzala como matéria de investigação e realização literárias. Se por um lado este livro toma grande vulto no âmbito das ciências sociais, também é verdade que seu interesse não pára aí, uma vez que de igual modo passa a ser objeto de especulação no plano literário. Se o livro por si só vem despertando o interesse de inúmeros estudiosos da literatura, devido ao alto grau de sofisticação estilística que sua prosa suporta, não devemos esquecer que a produção do seu autor se estende em críticas consideráveis a objetos de cultura, notadamente os objetos literários. Desse modo, parece bastante sedutora a hipótese de comparar esta produção crítica com aquela outra que se ocupa mais precisamente dos fenômenos sociais, posto que é perceptível o empenho do autor em radiografar uma possível alma brasileira através de seus artistas, como contraparte e complemento do que se pode ver através do recorte que faz de um certo comportamento da vida brasileira em circunstâncias bem determinadas. Sendo assim, podemos tomar esta crítica literária como um negativo do que se propõe em Casa grande e senzala, para que, assim, possamos acompanhar alguns de seus desdobramentos noutra esfera, considerando que a produção ficcional do autor está em diálogo franco e direto com parte de nossa produção literária mais recente. Por outro lado, alguns de nossos autores mais representativos, a exemplo de Manuel Bandeira e João Cabral de Melo Neto, ocuparam-se do livro de Gilberto Freyre não só como fonte de interpretação do Brasil, mas o incorporaram como matéria de poesia e, nesta medida, possibilita um dinâmico exercício de leitura que se segue em duas mãos, se tomarmos o seguinte trajeto: da sociologia à crítica e daí até a poesia, também no sentido inverso. Se conseguirmos fazer este percurso ao menos uma vez, é indício de que nossos propósitos foram realizados.

"Uma epopéia nos sertões na literatura brasileira pós-64: Os Guaianãs, de Benito Barreto"
Maria José Angeli de Paula - Universidade Federal de Santa Catarina
zeze_depaula@yahoo.com.br

A tetralogia de romances do escritor mineiro Benito Barreto, Os Guaianãs, aborda ficcionalmente aspectos da recente história brasileira. Escritos entre 1962 e 1975, os romances, marcadamente épicos, possuem como temática a resistência popular frente à implantação da ditadura civil-militar no país. A tetralogia situa a ação no interior de Minas Gerais narrando acontecimentos que vêm do início do século XX até o Golpe de 1964. Desconhecidos da crítica literária e do público leitor, assim como boa parcela da literatura sobre os anos de chumbo, os romances de Benito Barreto recriam um Brasil ferido e heróico.
As questões relativas à estrutura social do sertão brasileiro e também o instigante panorama de relações de poder da sociedade (re)criada são ficcionalmente entrelaçadas na ação e no comportamento das muitas personagens e dos vários movimentos da tetralogia. A presente comunicação busca analisar nas narrativas literárias de Os Guaianãs o potencial simbólico que se elaborou durante o período sobre os movimentos sociais de lutas em resistência a ditadura civil-militar.

 

Representações do Dinheiro em Camões, Garrett e Pessoa-O Caso Mental Português e o Espírito do Capitalismo.
Victor J. Mendes (University of Massachusetts Dartmouth)

Partindo da descrição seminal do espírito do capitalismo em Die Protestantische Ethic und der Geist des Kapitalismus, 1904, de Max Weber, e da sua revisão em The Protestant Ethnic & the Spirit of Capitalism, 2002, de Rey Chow, é oferecida uma leitura crítica de passagens relevantes de Os Lusíadas, 1572, Viagens na Minha Terra, 1846, e O Caso Mental Português, 1932, como contribuição preliminar para uma muito necessária análise alargada sobre a complicada relação entre os variados textos literários e não-literários nos quais se inscrevem as representações do dinheiro e a descrição e redescrição do espírito do capitalismo. É investigada a relevância da representação do dinheiro no caso mental português.

 

Memória e discurso no romance - traços discursivo-estilísticos d'A Pedra do reino, de A. Suassuna.
Guaraciaba Micheletti - Universidade Cruzeiro do Sul (UNICSUL) e Universidade de São Paulo (USP)
guatti@uol.com.br

"O inquérito continua em aberto e em suspenso, (...) sua Obra ficará assim, em suspenso e aberta, dependendo sempre de novos depoimentos que o senhor nos prestar. Talvez, até, ela dure para o resto de sua vida e nunca chegue a terminar, (...)"

O romance por ser uma narrativa em que predominam elementos dos mais diversos é um dos tipos de composição que mais incorpora discursos de diferentes origens e intencionalidades; nas palavras de Antônio Cândido, um bastardinho brilhante. Em qualquer romance faz-se presente a memória - desde aquela que simula resgatar os fatos ficcionais narrados até a que se utiliza da História sócio, político-cultural e, em particular, de toda uma herança literária.
O presente estudo focaliza alguns traços discursivo-estilísticos presentes no Romance d' A Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-volta, de Ariano Suassuna. Esse romance se estrutura a partir de elementos da memória da história político-social brasileira e da história da literatura.
É principalmente do trabalho com essas duas vertentes que se constrói o discurso do narrador / enunciador Quaderna e do texto de Suassuna. A narrativa se compõe de modo híbrido. Por um lado, abriga traços distintivos de vários gêneros e subgêneros ficcionais e argumentativos em prosa e em verso (folhetim, folheto,crônica, memorial, romance de cavalaria, epopéia, mito, ensaio). Por outro, recorre a relatos históricos, tanto ancorados no real, como a relatos fantasiosos, pretensamente históricos.
O enunciador assume o papel de réu num processo judicial, procurando embaralhar fatos por meio de longas digressões que se fazem a partir de textos consagrados da literatura ocidental. Quaderna, personagem narrador, se considera um diascevasta, um colecionador de textos, termo que ele mesmo explica ao Sr. Corregedor (personagem apenas referida a quem o enunciador se dirige durante a narrativa) e a todos os seus leitores como "eruditos que colecionavam os cantos dos rapsodos gregos".
Depois de passar em revista os mais variados discursos e, valendo-se, quase parasitariamente, deles para a construção do seu, o que resta, ao final, de um discurso inconcluso, como "o inquérito em aberto e em suspenso" é a busca empreendida pelo enunciador para a compreensão de si e do mundo,.
A heterogeneidade dos discursos é mostrada ao leitor que é convidado a participar do périplo do herói que vai resgatando passo a passo, por meio de fragmentos, formas e fôrmas de composição, cujo amálgama se processa basicamente pela colagem e paródia.
Coloca-se em xeque o conceito de plágio. Promove-se uma intertextualidade e uma interdiscursividade, uma espécie de reconhecimento de cada discurso, em particular, se constitui da confluência de muitos outros e deságua numa polifonia, espaço das muitas vozes que serão constituídas pelas leituras.

 

A construção de uma identidade de fronteira na Obra literária de Uanhenga Xitu
Ana Lopes de Sá (Centro de Estudos Africanos da Universidade do Porto)

A produção literária de Uanhenga Xitu (ou Agostinho Mendes de Carvalho) consigna-se como um suporte de reflexão sobre a construção de uma identidade de fronteira manifestada num vasto quadro de personagens. Tamoda, Felito ou José das Quintas, entre muitas outros, manifestam-se como frutos da presença colonial portuguesa em Angola, emergindo viventes entre dois mundos culturais (sejam os chamados tradicional e moderno ou o que relaciona colonizados a colonizadores), enquadrados em espaços de secular interacção de europeus com africanos e num tempo que a memória individual do criador recupera o tempo da vigência colonial do Estado Novo pré-luta de libertação.
Neste enquadramento literário, entende-se identidade de fronteira tal como Peter McLaren a definiu, como "espaços intersubjectivos de tradução cultural", com a consequente "montagem polivalente de novos significados culturais" (Multiculturalismo Crítico, São Paulo: Cortez Editora: 147-148). Assim, fronteira entende-se não só no seu sentido espacial (como no caso da fronteira que o espaço de eleição de Uanhenga Xitu, Icolo e Bengo, estabelece entre o litoral luandense e o interior), mas essencialmente como o lugar de comunicação e de interpenetração de experiências culturais que o autor constrói em práticas sociais enformadas pelos agentes materializados nas personagens do seu mundo narrativo, em campos como o vestuário, a religião, a família ou os passatempos.

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