A mulher em Machado de Assis
André Luiz Barros da Silva - Universidade Estadual do Rio de Janeiro - Brasil
alb2@uol.com.br

Análise do lugar reservado à mulher na narrativa do romance Esaú e Jacó (1904), um dos menos estudados da obra de Machado de Assis. Pretende-se mostrar como o autor reflete, no corpo do texto, sobre o ethos propriamente feminino na sociedade brasileira do século XIX. Entre as várias camadas semânticas do romance se encontra uma fina reflexão sobre o paradoxo irresolvido como constitutivo da personagem Flora, figura literária do feminino enquanto posição discursiva (Freud e Lacan). Leitor da mais avançada literatura de sua época, como a de Flaubert, Machado já problematiza os "vazios" e desvãos da linguagem, a posição discursiva radicalmente feminina (no limite, insustentável) e a idéia de "terceiro excluído", típica do paradoxo. Conceitos como os de "indecidível" e "indiscernível", extraídos da obra de pensadores como A. Badiou e J. Derrida, servem de referência teórica a nossa investigação. O amor que nunca se decide, dos gêmeos Pedro e Paulo por Flora, faz proliferar várias figuras do paradoxo e da indecisão ao longo do romance, indicando um locus feminino de difícil sustentação no panorama do Brasil do XIX. Fica claro que esse lugar feminino de Flora é subtraído à lógica da decisão (masculina, por excelência) em um cenário epocal em que também no nível da política o país não se decide por um claro rumo. Com a conhecida mestria, Machado de Assis empreende uma alegoria em três níveis: o amoroso (as indecisões dos gêmeos e da própria Flora quanto a seu destino); o político (o romance retrata a passagem do Império para a República, com a queda de Dom Pedro II e a ascensão do Marechal Deodoro e de Floriano Peixoto, incluindo até o lendário Baile da Ilha Fiscal, despedida festiva do Império); e o artístico-literário. Como também retrata Joaquim Manuel de Macedo, autor de A moreninha e de Memórias do sobrinho de meu tio - um mestre literário de Machado -, não há diferenças de monta entre situação e oposição no romance, e a própria instauração da República é descrita como tendo sido um golpe militar sem legitimidade popular. (Cf. o livro Os bestializados, do historiador José Murilo de Carvalho). Machado, então, entretece os três níveis, amoroso, político e meta-literário, identificando na falta de decisão política brasileira, na inconsistência do cenário ideológico em um momento como a passagem para a República, uma representação - dir-se-ia pública - de zonas paradoxais e indecidíveis mais afeitas ao campo amoroso e artístico. Por meio do personagem do Conselheiro Aires - tão importante como alter-ego do autor que retornará em seu último romance, Memorial de Aires (1908) -, tem-se uma visão do limbo feminino indeciso em que vive Flora por meio do olhar de um personagem sensível às zonas delicadas e poéticas do indecidível (um ponto insustentável, porém pensável, entre os dois pólos possíveis de uma decisão; o "terceiro excluído", em lógica). Aires é artista das relações humanas, já aposentado da diplomacia, e, portanto, observador privilegiado e muito irônico da política nacional e de suas zonas de indecisão. Nossa hipótese é de que faria parte da estratégia narrativa machadiana não apenas a alegoria (como indica L.C. Lima), mas a tecitura de três níveis reflexivos: o amor, a política e a própria arte. No fim da vida, com vistas a forjar para si um caminho de fuga tanto do romantismo quanto do naturalismo (como indica A. Candido), Machado torna-se grande pensador alegórico, debruçando-se sobre finas questões conceituais. O "bruxo" escava alegoricamente a realidade brasileira, apontando para a postura da mulher e do artista, únicos capazes de lidar com camadas etéreas de sentido, pontos de não-decisão e de suspensão do julgamento, no amor, na arte e na política.


Entre o mito e o preconceito: a figura da mulher na condição de sogra sob os olhares de fialho de almeida em "a velha" e aluísio azevedo em livro de uma sogra
Elisabeth Batista - Univ. de São Paulo USP/UNEMAT
lisbatys@uol.com.br

A figura feminina é onipresente em quase todas as obras literárias. Entretanto, a mulher, na condição de sogra, não parece despertar muitas atenções. O presente trabalho de investigação procura entender, através do exercício da comparação, quais foram os aspectos privilegiados pelos dois autores do final do séc. XIX, ao colocar em cena a mulher na condição de sogra. Trata-se de duas narrativas de idade secular: "A Velha", do português Fialho de Almeida e Livro de uma sogra, do brasileiro Aluísio Azevedo. Nesse período fértil em manifestações e "choques revolucionários" é que centraremos nosso olhar para tentar compreender qual a imagem de sogra que a literatura desse período contém, para inventariar a existência ou não de estereótipos da mulher nessa condição. Balizando-nos e na teoria de Jùlian Marías, procuramos refletir sobre a crise da mulher no século XIX, e apoiando-nos na teoria do cronotopo de Bakhtin examinamos a bipolaridade ficcional "campo e cidade". A repressão e o erotismo são dois problemas humanos detectados, e, para a compreensão desse quadro buscamos alguns elementos da teoria psicanalítica de Freud. Voltar-nos para um tema que não se encontra no horizonte do interesse mais geral pode nos apontar a síntese dialética de nossa condição humana.


A "macho e fêmea" e a família: Luzia-homem e o sertão cearense.
Ms. Nilson Almino de Freitas (Universidade Estadual Vale do Acaraú - UVA/Sobral - Ceará/ Brasil)
nilsonalmino@ig.com.br

O presente trabalho é resultante da análise da obra literária "Luzia-homem" de autoria do romancista brasileiro nascido no estado nordestino do Ceará, Domingos Olímpio. A preocupação do pesquisador é a de procurar entender a dinâmica social relativa às implicações do modelo de organização familiar, parentesco e gênero dos migrantes sertanejos e as relações destes com os representantes das instituições públicas de uma cidade do interior do estado brasileiro do Ceará. O nome da cidade é Sobral, localizada a 225 km da capital cearense que é Fortaleza. Os acontecimentos imaginados no livro são do final do século XIX. Na análise são abordadas também as percepções do romancista naturalista das práticas sociais da mulher sertaneja neste tempo e as relações cotidianas entre gêneros, não no sentido de definir o que é próprio de cada um deles, mas mostrar as percepções e práticas relativas às variantes e regularidades dos agenciamentos sociais diários para "sobreviver" diante dos jogos cotidianos. A intenção é diluir dualidades substancialistas e essencialistas geralmente postas que delimitam práticas e espaços como podendo ser definidos de forma definitiva. Dualidades como campo (sertão) X cidade (urbano), público X privado, homem X mulher, dominante X dominado; são postos no registro cotidiano das práticas, astúcias e táticas de sobrevivência de agentes sociais que criam e recriam o seu dia-a-dia todo tempo. Não é deixado de considerar neste trabalho a idéia de que qualquer obra literária é uma versão e, ao mesmo tempo, uma invenção que, por outro lado, não está tão distante assim do que pode ser considerado "real". Desta forma a dualidade imaginação X realidade, também é relativizada na análise. O sertanejo como um "forte", ao mesmo tempo, "atrasado" também é revista diante de práticas de migrantes que vivem em um espaço urbano que ostenta uma elite opulenta.



A mulher negra: um viver desigual, de violência, dor e sofrimento em Casa Grande e Senzala de Gilberto Freire.
Maria Aparecida Batista de Oliveira - Universidade Federal de Alagoas.

Essa comunicação tem como objetivo revelar a situação de violência a que foi submetida a mulher negra na obra Casa Grande e Senzala de Gilberto Freire, expressada em diversos níveis: abuso sexual, violência física, instrumentalização do corpo, atentado à vida e morte. A análise da mesma desvela o preconceito racial da sociedade brasileira, bem como aponta para a importância da temática racismo x violência e consequentemente, a necessidade de seu aprofundamento com perspectivas de transformação social, como um dever ético e de cidadania.

 


Fabricação de ideias e identidade na historiografia literária lusa e brasileira: Começa a literatura brasileira com um romance, feminista e político escrito por uma mulher?

Eva Loureiro Vilarelhe (Grupo GALABRA - Univ. De Santiago de Compostela)
evolinhas@mundo-r.com

A literatura, particularmente nas esferas do ensino e os meios de comunicação, joga historicamente roles importantes na configuração da identidade, a coesão e o reconhecimento intra e extra-comunitário. O peso do literário está em dependência das necessidades dos grupos que promovem esses objectivos e de que estes possam ou não ser realizados por outros meios. Para isso, os historiadores da literatura fabricam ideias que funcionam como referências simbólicas e programas de acção para os seus destinatários. Algumas destas prendem-se com elementos fundacionais, onde se pretende a articulação coerente entre 'o início da nação' e o início da sua literatura, de tal maneira que como aquela se defina deve definir-se esta (língua, origem, território, etc.): por exemplo, para o caso galego e português, Galiza e Portugal, de alguma maneira começam quando começa a sua expressão artística em galego-português com as cantigas medievais. E a literatura brasileira, quando começa? Porque o seu começo está ligado à própria história da nação e aos valores referenciais que de aí se deduzirem. Pois bem, neste sentido, parte da historiografia brasileira reclama para si Teresa Margarida da Silva e Orta, mulher, nascida em São Paulo, que viveu quase toda a sua vida em Portugal e que escreveu um romance (1752) que admite uma leitura feminista, quase 'avant la lettre' actual, e política: A historiografia portuguesa negligencia-a, talvez porque, até agora, isto pouco acrescenta à fabricação dos seus símbolos e referentes e nada à sua 'ideia de nação'. Mas para a brasileira fará que ela possa situar o seu momento fundacional em meados do século XVIII, iniciada com um romance (género de prestígio), escrito por uma mulher e com objectivos de intervenção política progressista e feminista, ideias atractivas, atingindo um valor forte na reconstrução historiográfica nacional: eis este processo o que esta comunicação visa estudar.

O segredo da bastarda: romance da história política e social.
Benilde Justo Caniato - Universidade de São Paulo

Modificações histórico-sociais acabam por estabelecer novos modos de viver em cada época, sendo que a arte literária aponta para modernas tendências em sua relação com a cultura, a sociedade e a ideologia.
Na leitura de O segredo da bastarda, de Cristina Norton, vamos considerar, além de fatores textuais, constituintes do romance, fatores contextuais, históricos e sociais, objetivando uma leitura crítica, como diz Carlos Reis, em que o leitor deve completar o domínio lingüístico com o conhecimento dos outros códigos que estruturam o texto literário.
O autor, ao buscar o entendimento de fatos passados, está comprometido com a sua própria ideologia e com a do seu tempo. Fontes passadas despercebidas, ou mesmo não valorizadas, passam a ser consideradas no presente, com a visão que se tem do tempo atual.
Em nossa época novos procedimentos formais, nova utilização da "interdiscursividade" somam-se a reflexões e questionamentos do próprio processo de construção da obra literária. Desta forma, os textos da história política e social dos fins do século XVIII e princípio do XIX, habilmente trabalhados nas investigações de Cristina Norton, foram incorporados, sendo produzido novo texto, de tal modo que o mundo do século retratado e os costumes da época inseriram-se no processo de produção do novo milênio.
Cremos que a intenção da Autora, preenchendo as lacunas e os silêncios da História, foi também a de denunciar o passado em que a mulher, presa às convenções sociais, foi obrigada a manter-se enclausurada em conventos, afastando-se do mundo, porque havia infringido os cânones éticos, morais e religiosos, impostos pelo sistema patriarcal. Eugênia não conseguiu escapar da submissão milenar da mulher. Excluída da sociedade, permaneceu no rol das decaídas.
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