Muana Puó - Enigma e transformação
Suzana Rodrigues Pavão Pesquisadora (PUC - Minas Gerais)

A obra Muana Puó, foi escrita em 1969, em plena época de luta pela liberdade nacional. Talvez venha a chocar alguns leitores que tenham conhecimento das obras posteriores de Pepetela. Em particular, a linguagem simbólica, hermética, foge ao estilo que mais tarde foi escolhido pelo autor, mas assa narrativa transmite uma mensagem que até nos dias de hoje tem a sua razão de ser. Os morcegos, guerrilheiros, clandestinos a viver na escuridão, tornam-se homens, graças à sua heróica luta pela independência. Mas o presente continua a ser apenas um ponto de encontro e de luta, entre o passado e o futuro. Segundo o autor, cabe aos homens tomarem as decisões.
A máscara enigma, a busca da transformação.
Muana Puó, máscara ritualística tchokuê, torna-se personagem do texto d~ apresentada de forma simbólica para caracterizar os dominadores e dominados. Personagens simbólicos como os corvos e morcegos demonstram as lutas em busca da liberdade. Cada capítulo inicia-se com uma descrição da máscara a demonstrar o símbolo da tradição que comporá um novo povo, agora livre e uma nova Angola, independente.
A heroína, marcada por seu enigma a ser decifrado para se conseguir a transformação da realidade de todo um povo, lembra um herói a ansiar por momentos de felicidade que possa partilhar, pois agora já não interessa o futuro, tudo é presente. Os edificadores da utopia não devem esquecer-se do aviso de grande lucidez, pois o presente é antes de tudo um ponto de encontro e de luta, entre o passado e o presente.
A narrativa é simbólica e ao mesmo tempo metafórica e nos apresenta através do ser masculino a participar do ritual com a máscara feminina, a presença da força do ser feminino e ao mesmo tempo feminino. É a humanidade presente, é a busca do mundo futuro contrapondo-se com o passado marcado pelo presente que se espera transformar.

 

Um rio chamado tempo, uma casa chamada terra - Distanciamento e enraizamento no romance de Mia Couto.
Heloísa Helena de Souza (PUC- Minas Gerais)

A obra utilizada como corpus para nossa pesquisa temática, foi publicada no Brasil pela Editora Companhia das Letras, em 2003 e ainda não tivemos acesso a estudos criticos e acadêmicos que possam nos auxiliar. No romance por nós citado encontramos a utilização de metáforas e de simbologias que analisam e também fazem sua crítica à situação pós-independência de Moçambique. O autor não se coloca contra o Estado que lutou para concretizar, não é contra o novo e as mudanças por ele trazidas. O que nos chama atenção na obra é a preocupação do autor ao demonstrar que o novo não deve ocupar o lugar dos valores ancestrais e nem venha acompanhado pela corrupção e pela ambição dos conterrâneos que desejam tirar proveito da confusa situação interna, conseqüência ainda das guerras e das diferenças existentes entre as várias etnias que compõem Moçambique.
A ação narrativa passa-se em uma ilha, Luar de Chão, o que nos leva a verificar que a partir da localização insular se chega à imagem de distanciamento.
Neste romance, a situação de conflito entre a falta de rumos concretos da África pós-colonial e o arraigamento das tradições é retratado exemplarmente através de uma saga familiar poética e ao mesmo tempo fàntástica. Existem no romance várias vozes, que se cruzam para transmitir a temática proposta. Na criação das personagens que ora rompem ora voltam-se para a tradição, na aceitação do português altemando-o com os dialetos nativos, o autor nos mostra a formação do Estado-Nação moçambicano.
A morte do avô representa o momento de se reconstruir as raízes e abrir a terra e as mentes para o conhecimento da verdade que constrói uma nação. Comunidade imaginada, segundo a teoria de Benedict Anderson, é salientada na preocupação de se manter o tempo. A casa que não deve se desfazer. Não permitir que a terra se feche e a mentira prospere é o início da construção da verdadeira nação.


Produtos literários como estratégias para a construção de uma ideia de identidade brasileira. 1984, ano de expectativa(s)

M. Carmen Villarino Pardo (Grupo Galabra-Universidade de Santiago de Compostela) - fgcvilla@usc.es

Esta comunicação pretende trabalhar o período final da ditadura brasileira em que a acumulação de energia nos campos cultural e literário brasileiros mostra uma série de produtos que revisam a identidade brasileira. De entre esses produtos, destacam os de Nélida Piñon (A República dos Sonhos), João Ubaldo Ribeiro (Viva o povo brasileiro) e Jorge Amado (Tocaia Grande) em 1984, o ano em que previsivelmente teria lugar o fim da ditadura.
A questão da identidade é analisada de diferentes perspectivas nessa mudança no espaço social brasileiro. A imprensa deu eco a esses debates sobre 'a diferença nacional', do mesmo modo que estes romances de 1984 apresentados ao mercado e ao conjunto da sociedade como "Livros. Sagas que contam Hisória e estórias do povo brasileiro".
Nessa focagem ocupa um lugar destacado o texto de Nélida Piñon porque vincula um elemento novo na construção identitária brasileira: a emigração galega. Veremos como é vista a introdução deste novo material repertorial e como funciona no sistema literário brasileiro e no espaço social brasileiro (e eventualmente também no galego).


O romance histórico: uma visão entre Brasil e Portugal
Profª. Ms. Roseana Nunes Baracat de Souza Figueiredo - CAPES (USP)
Doutoranda pela Universidade de São Paulo
edmar-figueiredo@uol.com.br

Esta comunicação se propõe a abordar, nos romances O Segredo da Bastarda, de Cristina Norton (Portugal) e Boca do Inferno, de Ana Miranda (Brasil), a metaficção historiográfica. As autoras, nessas obras, resgatam a história real passada no século XVII e XVIII e mesclam história e ficção de uma maneira quase imperceptível. Elas se preocupam com a recomposição da linguagem, dos costumes e, principalmente, com o resgate de um período pouco explorado e conhecido da História política e social desses países.
Tais romances, além do seu valor literário, valem também como documento, na medida em que suas autoras fazem vir à tona fatos que, durante algum tempo, ficaram submersos.

A bandeira da língua como um arquétipo de pátria: ficções da lusofonia em contexto pós-colonial
Ana Luísa Madeira (Universidade de Lisboa)

"A nossa localização em África, na América e na Europa - em países tão diversos, ligados pela distância - concede-nos um estatuto muito especial, abrindo uma série de possibilidades ao inquérito histórico e comparado. Não se trata de nos considerarmos como um 'caso peculiar', que confirmaria ou infirmaria certas teses. Trata-se de assumirmos que a nossa especificidade pode ser elaborada conceptualmente e trabalhada enquanto campo teoricamente conhecível" (Nóvoa, 2000: p. 127).

Apesar dos debates que se vêm travando (Santos, 2002; Ramalho e Ribeiro 2002; Bastos, Almeida & Feldman-Bianco, 2002), o conceito de lusofonia é ainda um atributo marcado pela ambiguidade com que circula no processo de produção de conhecimentos e de sentidos, quer no campo ideológico, quer no campo das ciências sociais. Seria ingénuo supor que o processo de produção de noções e categorias de conhecimento é independente das estratégias ideológicas e de poder dos grupos sociais que detêm os meios de produção de significados e de sentidos para as práticas do colectivo. Isto é tanto mais importante quando sabemos que a circulação destes sentidos interpelam permanentemente o sujeito para a reconstituição de novos processos de subjectivação e de identificação orientados para a tomada de posições, ou seja, para a acção social e política.

Por outro lado seria no mínimo incompreensível ignorar a existência de significações culturais singulares bem como a partilha linguística entre países que travaram, com Portugal, em tempos e espaços muito amplos, relações históricas e experiências coloniais e pós-coloniais muito diversas. Para encontrar esta especificidade é necessário elaborar conceptualmente sobre este campo de descontinuidades permanentes, razão pela qual nos parece de toda a pertinência desenvolver um trabalho de comparação. Isto porque, independentemente da proximidade linguística e cultural ou da distância espácio-temporal é necessário interrogar sistematicamente o modo como alguns conceitos são produzidos, apropriados e incorporados nos discursos de verdade. Para conhecer e produzir conhecimentos sobre esse campo teoricamente conhecível, impõe-se portanto reflectir sistematicamente sobre o modo como observamos a realidade a partir de determinadas categorias de pensamento e, também, o modo como essas categorias têm de ser pensadas como construções destinadas a representar a própria realidade.

Língua Portuguesa: diversidades literárias – o caso das literaturas africanas
Cármen Maciel (FCSH - Universidade Nova de Lisboa)

"Assim como em todas as coisas humanas
há contínua mudança e alteração,
assim é também nas linguagens".
Duarte Nunes de Leão

Os últimos tempos, férteis em eventos baseados na celebração da partilha da Língua Portuguesa, não podem deixar de nos surpreender, pela crescente importância atribuída à Língua e ao papel que lhe é conferido como "cimento" do chamado "espaço lusófono".
Como refere Léonard, "a década de noventa constitui uma fase de consolidação e de cooperação de onde emerge, não sem dificuldade, o grande projecto de uma comunidade dos países de língua portuguesa" . Seja através da CPLP, da Lusofonia, do Instituto Internacional de Língua Portuguesa, da RTP África ou de outras iniciativas, a Língua extravasa a área da comunicação, envolvendo relações e interesses sociais, culturais, económicos e políticos.
Não se trata, contudo, de matéria simples, ou neutra - como recorda Eduardo Lourenço: "a língua nunca foi - e continua a não o ser - uma espécie de instrumento neutro que se esgota no seu uso comunicante empírico" . Assim sendo, a partilha da Língua tem sido alvo de aceso debate entre académicos e políticos - para além dos linguistas. Se, por um lado, se entende a Língua Portuguesa como um veículo de cultura que reflecte, a singularidade do caso português (o "encontro entre culturas" que realça o cerne da deambulação dos portugueses no mundo e as "pontes naturais" que ligam Portugal aos restantes países lusófonos ); por outro lado, produzem-se reflexões críticas que denunciam o suposto engodo ideológico que sustenta a ideia de tal excepcionalismo . Segundo Vale de Almeida , por exemplo, a aparente capacidade especial dos portugueses para se "misturarem" com o outro funcionaria exclusivamente num sentido: "de cá para lá", mas não o inverso .

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