Vinda de décadas de pobreza endémica e de emigração em massa, a Irlanda transformou-se radicalmente nos anos do grande crescimento económico, particularmente acentuado entre 1995 e 2007: foi o tempo do “Tigre Celta”, então citado como exemplo do potencial transformador do capitalismo. Em 2008, a crise apanhou de surpresa duas gerações instaladas num nível de bem-estar que criam ser um inalienável direito seu. O país vive agora a experiência dolorosa da ameaça de um regresso à miséria – ainda na memória das pessoas mais velhas –, que se traduz em aspetos materiais concretos e que tem pesadas repercussões nas estruturas familiares e nas relações sociais.
Ao crescimento do desemprego e do trabalho precário acrescentam-se os cortes nos salários, afetando particularmente o funcionalismo público, que se vê obrigado a “poupar” em bens básicos, como a saúde. Se os mais pobres se tornaram visíveis nas ruas das cidades maiores – onde não era habitual haver pedintes –, é a perda do nível de bem-estar da classe média que é mais mediatizada, no que os jornais irlandeses chamam “the middle squeeze” (“o apertão do meio”). Um grande número de jovens não é capaz de pagar as prestações da casa própria e regressa à casa dos pais; as crianças pequenas são deixadas com os avós, que assim perdem o seu direito ao lazer; os eventos culturais estão a perder público; os irlandeses passaram a conviver em casa e, em média, a cada dois dias fecha um pub, uma mudança radical na sociabilidade do país.
Em outubro de 2011, foi eleito presidente Michael D. Higgins, professor universitário de Ciências Políticas e poeta, um trabalhista distante dos dois partidos que tradicionalmente ocupam o poder – Fianna Fail e Fine Gael –, homem com uma longa história de combate pelos direitos humanos, que mantém um discurso com preocupações sociais. A grande surpresa, frequentemente referida nos jornais, tem sido a resignação com que as medidas governamentais têm sido aceites, num país com justa fama de revoltas e uma longa tradição de combate. A decisão anunciada pelo governo, em fevereiro de 2012, de submeter o tratado europeu de estabilidade a um referendo é o primeiro sinal significativo de resistência.
Adriana Bebiano