Partidas e Regressos

 

 

Barcas Novas
 
En Lixboa, sobre lo mar
barcas novas mandei lavrar.
Ai, mia senhor velida!
 
En Lixboa, sobre lo ler
barcas novas mandei fazer.
Ai, mia senhor velida!
 
Barcas novas mandei lavrar
e no mar as mandei deitar
Ai, mia senhor velida!
 
Barcas novas mandei fazer
e no mar as mandei as mandei meter.
Ai, mia senhor velida!
 
João Zorro
 
Lisboa tem suas barcas
Agora lavradas de armas

Lisboa tem barcas novas
agora lavradas de homens
 
Barcas novas levam guerra
As armas não lavram terra

São de guerra as barcas novas
ao mar deitadas com homens

Barcas novas são mandadas
sobre o mar com suas armas

Não lavram terra com elas
os homens que levam guerra

Nelas mandaram meter
os homens com sua guerra

Ao mar mandaram as barcas
novas lavradas de armas
 
Em Lisboa sobre o mar
Armas novas são mandadas
 
Brandão, Fiama Hasse Pais (1991), Obra Breve. Lisboa: Editorial Teorema, pp. 25-26.
 
 
 
  
Tristes Navios que Passam
 
            Para o Daniel Santos,
                  no outro lado do mar
 
Tristes navios que passam
na hora da nossa vida
na hora da nossa morte
 
escuros vasos de guerra
cargueiros tanques paquetes
brancos navios de vela
 
levam óleo levam ódio
luxo lixo das cidades
levam gente gente gente
 
deixam ficar nostalgia
 
tristes navios que passam
na hora da nossa morte
na hora da nossa vida
 
Félix, Emanuel (1977), A Palavra.O Açoite. Coimbra: Poesia Centelha, p. 31.
 
 
  
 
Guerra
 
São meus filhos. Gerei-os no meu ventre.
Via-os chegar, às tardes, comovidos,
nupciais e trementes
do enlace da vida com os sentidos.
 
Estiveram no meu colo, sonolentos.
Contei-lhes muitas lendas e poemas.
Às vezes, perguntavam por algemas.
Respondia-lhes: mar, astros e ventos.
 
Alguns, os mais ousados, os mais loucos,
desejavam a luta, o caos, a guerra.
Outros sonhavam e acordavam roucos
de gritar contra os muros que há na Terra.
 
São meus filhos. Gerei-os no meu ventre.
Nove meses de esperança, lua a lua.

Grandes barcos os levam, lentamente…
 
Freire, Natércia (1991), Obra Poética, vol. I, Prefácio David Mourão Ferreira, INCM, p. 178.
 
 
 
 
Lamento de uma mãe para um filho soldado nas colónias 
 
Meu filho posto
soldado
levado para lá do mar
 
de negro ando vestida
chorando-te até chegares
 
Dois braços - sei - tu levavas
com quantos voltas não sei…
 
com duas pernas andavas
e com os olhos enxergavas
aqueles montes além
 
Meu filho neste baraço
de ódio que nunca vem…
uma farda te vestiram e uma arma te entregaram
a mando não sei de quem…
 
Puz cinza nos meus cabelos
e com um lenço os tapei
 
vou chorar-te dia e noite
nessa guerra de
ninguém
 
Dois braços - sei - tu levavas
com quantos voltas não sei…
 
Horta, Maria Teresa (2009), Poesia Reunida. Lisboa: Dom Quixote, p. 487-488. 
 
 
 
 
os barcos vão fugindo lentamente
os rostos na amurada da tristeza
por entre os canos frios deste terror
por mil dias de medo   assegurado
 
Namorado, Rui (1973), Lírica do Silêncio. Coimbra: Centelha, p. 28. 
 
 
 
 
Despedida
 
De Alcantara-Terra
De Alcantara-Mar
De Guerra em Guerra
De lugar em lugar
A maior e de mais fundo
Doca p 'ra todo o mundo.
 
Em Alcantara-Mar
O Tejo beija o cais
No dia a dia lunar.
Quantos gritos e ais
Se ouviram no teu cais
Quantos sustidos, por dar.
 
Hoje gritos de amor
De turistas e folclore.
Ontem gritos de amor
De saudade e de dor.
 
É preciso ter partido
P 'ra guerra sem sentido,
Ir vendo mais apagados
No cais os seres amados
Até que a distância os esfuma
E o horizonte é mar e espuma.
 
Vejo os pais, vejo as colunas
Onde se encostaram um dia,
P'ra ver esfumar os vapores
Que d'Alcantara-Mar partiam,
P'ra partilhar a saudade
Dos que partiam sem vontade.
 
Não importa qual o vapor
Que beije o Tejo no cais
O que conta é a dor
Da dúvida de voltar,
Ou não voltar mais,
A ver gaivotas no cais.
Lagos, 13 de Setembro de 1997
 
Rodrigues, Joaquim Chito (2002), Geração. Lisboa: Academia Militar, pp. 50-51.
 
 
 
 
A guerra
 
(Mais um navio que parte com jovens
para a guerra colonial)
 
Há crianças que choram no cais!
Há mulheres que choram no cais!
Há homens que choram no cais!
 
Oh minha pátria
que nunca mais
 
(Dezembro, 71)
 
Vasconcelos, José carlos de (1975), Poemas para a Revolução, Lisboa: Diabril Editora, p. 119
 
 
 
 
voltamos da guerra
 
voltamos da guerra
em Hiroshima
nagasaky
ou mucaba
trazemos o último alento
dos que ficaram
e o choro
das mulheres
 
voltamos com o sorriso
magoado
dos que nos olham
audazes
valentes heróis
 
dói-nos um punhal de gritos
abafados
na memória
o brilho das medalhas
a fome das
crianças
 
voltamos com os que não
voltaram
 
e os que esperam
nos matos de além do mar
o regresso ou a morte
 
eis-nos detritos dum imenso
mar de pedra
em hiroshima
nagasaky
ou mucaba
 
morde-nos a angústia
do que fomos
as tragédias
a esperança
a revolta
 
vindos da guerra
incendiamos a pólvora
das palavras
- ritmo de sangue
e denúncias
fogo preso dolorido
na hora da chegada
 
Mendes, José Manuel, Salgema, Braga: Livraria Cruz, 1980