| O tráfico de seres humanos, nas suas várias vertentes, tem  vindo a conhecer um mediatismo sem precedentes nos últimos anos, assumindo-se como  um dos temas centrais na agenda política de vários governos e organizações de  âmbito regional e internacional. A realização de múltiplos relatórios  internacionais, que indicam que o número de pessoas traficadas despoletou na  última década, bem como o crescente interesse do jornalismo de investigação por  este fenómeno, têm captado a atenção dos vários governos perante uma realidade  que consubstancia uma grave violação dos direitos humanos.
 Contudo,  este fenómeno não é recente, tampouco se confina hoje às fronteiras de alguns  países e/ou regiões de mundo. Marcadamente global e transnacional, a principal  novidade consiste no facto de ser, hoje, um negócio muito lucrativo e com uma  enorme capacidade de atracção para grupos criminosos organizados que têm vindo  a sofisticar os seus métodos de actuação. Com efeito, o tráfico de seres  humanos é considerado como a terceira actividade ilegal mais rentável no mundo,  ficando apenas atrás do tráfico de armas e de drogas. Acresce que a crescente  criatividade dos traficantes, a par de algum vazio legal e das dificuldades de  actuação dos órgãos de polícia criminal em alguns países, leva a que este tipo  de crime tenha um baixo risco de detecção, investigação e penalização, comparativamente  com outras actividades ilegais.
 Uma das  formas de tráfico mais visível actualmente é o tráfico de mulheres para fins de  exploração sexual. Segundo o Departamento de Estado Norte-Americano (2005),  cerca de 80% das pessoas traficadas todos os anos (entre 600 000 e 800 000) são  mulheres e jovens mulheres que, na sua maioria, são traficadas para fins de  exploração comercial. Este é um fenómeno complexo cujas vertentes de análise  são múltiplas, pois múltiplas são as desigualdades que estão na sua origem: a  desigualdade económica; a divisão de fronteiras entre pobres e ricos; algumas  políticas de migração do chamado primeiro mundo que, ao invés de estruturarem a  imigração, empurram-na para as máfias e para a criminalidade; e as  "expectativas desesperadas" que levam as pessoas a acreditar em  promessas de uma vida melhor num mundo que, como diz Stuart Hall, é, cada vez  mais, um mundo sem garantias.
 A estas  desigualdades acresce uma outra desigualdade ainda tão presente nas sociedades  contemporâneas: a desigualdade de género. A expressão “sexo fraco”, tão bem  conhecida, cunha uma vulnerabilidade estereotipada a mais de metade da  humanidade. É assim que a violência contra as mulheres transcende sociedades,  culturas, classes, regiões geográficas, etc. O tráfico e a exploração sexual de  mulheres é uma expressão singularmente cruel dessa violência. Estão particularmente  vulneráveis ao tráfico para fins de exploração sexual, as mulheres migrantes,  por várias razões, como sejam: a sua fraca autonomia económica (em consequência  das desigualdades no acesso ao mercado de trabalho formal não precário); o  imperativo de subsistência para os filhos de quem são, frequentemente, as  primeiras e únicas responsáveis; e a sua inserção individual em estratégias  migratórias transnacionais.
 Este é,  então, um fenómeno globalizado, que coloca sérios problemas de direitos humanos  e que, num Estado de Direito, nem o sistema jurídico nacional, nem o  internacional aplicável pode ignorar. É, portanto, fundamental centrar a  atenção dos decisores políticos e da opinião pública nos direitos humanos de  cidadãos e “não-cidadãos” que, neste domínio, estão a ser violados de uma  maneira particularmente chocante.
 Nos  últimos anos, Portugal, acompanhando a crescente preocupação das instituições  internacionais e europeias, tem vindo a prestar uma maior atenção ao tráfico de  mulheres para fins de exploração sexual. Este estudo decorre de um contrato  celebrado entre a Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género, enquanto  entidade interlocutora do Projecto CAIM, e o Centro de Estudos Sociais da  Universidade de Coimbra para a realização de um estudo para a identificação e  caracterização das dinâmicas e tendências actuais do tráfico de mulheres para  fins de exploração sexual em Portugal.
 
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