Heranças coloniais em tempos de 'Black Lives Matter'

Editorial

Heranças coloniais em tempos de «Black Lives Matter»

Bruno Sena Martins

Inês Nascimento Rodrigues

João Arriscado Nunes

O movimento Black Lives Matter (BLM) ganhou impulso em 2013, nos Estados Unidos da América, na sequência do assassinato em 2012 de Trayvon Martin, um jovem afro-americano de 17 anos. A absolvição de George Zimmerman, acusado de homicídio, por alegada legítima defesa causou uma onda de protestos antirracistas que encontrou tradução na hashtag #BlackLivesMatter, mote cunhado e celebrizado como grito de luta por três mulheres negras, Alicia Garza, Patrisse Khan-Cullors e Opal Tometi. Gradualmente, o movimento Black Lives Matter materializou-se numa rede nacional de protestos crescentemente mobilizados contra a violência sobre negros/as e contra a reiterada impunidade das forças policiais. Em final de Maio de 2020, as manifestações em nome do valor das vidas negras alcançaram inédita visibilidade internacional na sequência da circulação do vídeo do assassinato de George Floyd, sufocado na via pública em Minneapolis, durante 8:46 minutos, sob o joelho de Derek Chauvin, um agente da polícia local.

A mobilização suscitada pelo homicídio de George Floyd teve uma repercussão global notável, contribuindo para uma crescente articulação de agendas antirracistas em diferentes contextos nacionais onde negros/as e afrodescendentes se reconhecem expostos/as a lógicas de desigualdade e violência do racismo sistémico e institucional. Além da violência policial sobre as populações negras, vêm sendo denunciadas as estruturas de injustiça social e económica que as discriminam e inferiorizam, assim como as representações – monumentos, coleções museológicas ou toponímias, entre outras – que nos diferentes países celebram o passado colonial e os legados da escravatura.

Este Dossier centra-se particularmente nas disputas pelo passado colonial engendradas por protestos públicos que apelam à retirada de estátuas, à restituição de peças museológicas à mudança de nomes de ruas, à reformulação de currículos escolares bem como à necessidade de contextualizações históricas que supram a omissão sobre a violência colonial nas paisagens memoriais contemporâneas.  A retirada das estátuas de Robert E. Lee, de Cecil Rhodes, de Cristovão Colombo ou de Edward Colston são alguns dos exemplos mais mediáticos de protestos que ganharam novo alento e visibilidade com a notoriedade transnacional do BLM em 2020. Em causa está o reconhecimento de que os legados coloniais e de que estruturas racistas no mundo estão longe de terem sido superados pela abolição da escravatura, pelas lutas anticoloniais e independências nacionais, pelos movimentos dos direitos civis ou pelo fim do apartheid. Este quadro, frequentemente invisibilizado pela hegemonia de um pensamento eurocêntrico, celebratório do Ocidente, apesar de importantes contestações vindas do protesto social e da investigação académica, permanece fortemente alicerçado em narrativas nacionais que relutam em confrontar-se com as violências raciais na base da constituição do sistema-mundo moderno. 

O Dossier Heranças Coloniais em Tempos de «Black Lives Matter» é promovido pela Presidência do Conselho Científico do CES e tem o intuito de reunir e visibilizar os conhecimentos produzidos e as lutas sociais que combinam a reflexão sobre o passado com um horizonte antirracista e anticolonial. Este dossier irá incluir três secções distintas: 1) Intervenções públicas CES, secção em que se irão elencar artigos de opinião, newsletters e participações mediáticas de investigadores/as CES; 2) BLM no Mundo, secção composta por uma seleção de Artigos de Opinião publicados na imprensa internacional; 3) Publicações CES, secção em que algumas / alguns  investigadoras/es do CES serão convidadas/os a apresentar sucintamente uma publicação académica de sua autoria que dialogue com o tema do presente Dossier.