E os profissionais?
Joana Proença Becker

Chegou ao fim o resgate dos jovens tailandeses que estiveram 17 dias presos numa gruta. No mesmo dia em que se celebra o final desta angustiante história, não podemos deixar de pensar em Saman Kunan, o mergulhador que perdeu a vida no processo de salvamento desses jovens. A sua morte chama a atenção para os profissionais que atuam em situações de crise e catástrofes. Obviamente, a equipe de resgate é composta por profissionais treinados para lidar com o desconforto físico, a imprevisibilidade, com o medo das vítimas e com os seus próprios medos. Entretanto, estar preparado para enfrentar situações extremas não significa estar imune ao stress traumático.
Em contraste com o stress primário, que diz respeito à experiência direta como vítima de um acontecimento (como é o caso dos jovens e do treinador), o stress secundário é o resultado do conhecimento sobre um evento traumático experimentado por outra pessoa, pela tentativa de ajudar outrem ou até mesmo pela escuta de relatos de alguém que está em sofrimento. Ter consciência disso alerta-nos para a saúde física e mental dos profissionais que atuam nesses casos. Como muito bem pontua a psicóloga Ângela Maia (2007, p. 263-264)¹:
“Nessas situações é frequente a sensação de impotência face às necessidades reais de acção e, às vezes, é a própria segurança dos profissionais que é posta em causa, como se pode constatar pelo número de feridos e mortos entre as forças de intervenção em crise. A exposição repetida a estas situações adversas pode dar origem a oportunidades de desenvolver estratégias adequadas para enfrentar os desafios das situações extremas, mas pode igualmente potenciar um mal-estar contínuo, provocando efeitos cumulativos que vão delapidando os recursos e tornando os sujeitos sucessivamente mais vulneráveis para fazer face a estes desafios.”
Assim como as vítimas ditas diretas, no caso dos profissionais que atuam em crises e catástrofes o desenvolvimento de psicopatologias relacionadas ao stress é influenciado por fatores como suporte social, história familiar, distúrbios mentais pré-existentes, experiências infantis e variáveis de personalidade. Para além desses fatores, características ocupacionais, estrutura organizacional e estratégias de coping como negação e evitamento (seja pelo receio do estigma relacionado às doenças mentais ou para suprir as expectativas depositadas nesses profissionais) também influenciam o estabelecimento ou não do trauma psicológico. Ou seja, cada indivíduo tem a sua própria experiência traumática.
Esta é apenas uma reflexão para pensarmos nos profissionais, para lembrarmos que há um ser humano atrás do uniforme de soldado, bombeiro, polícia, etc. E que, por mais que investigações possam contribuir para desenvolver um tratamento eficaz para essa população, a prevenção do trauma e a promoção da resiliência devem ter lugar de destaque na formação daqueles que, em detrimento de sua própria segurança, escolheram salvar vidas.
Joana Proença Becker - Investigadora do Centro de Trauma/CES-UC
(Imagem: AFP Photo/Lillian SUWANRUMPHA)
¹Maia, Ângela (2007), Factores Predictores de PTSD e Critérios de Selecção em Profissionais de Actuação na Crise. In. Sales, Luísa. Psiquiatria de Catástrofe: Memória do Encontro, Psiquiatria de Catástrofe e Intervenção na Crise. Coimbra: Almedina. p. 263-276.