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2019-10-23
Cobertura mediática e o risco de trauma
2 anos depois dos incêndios na Região Centro

Em 2017, Portugal foi atingido pela sua maior tragédia em décadas. Em quatro meses, dois grandes incêndios florestais (originados em Pedrógão Grande, a 17 de junho, e na Região Centro do país, a 15 de outubro) resultaram na morte de 116 pessoas, centenas de feridos e na destruição de milhares de casas, em mais de cinquenta municípios.

Apesar de os incêndios terem deixado uma marca visível nas vítimas, sobreviventes e profissionais que trabalham nesses cenários, a intensa cobertura dos jornalistas teve (e continua a ter) um papel determinante na saúde mental dos envolvidos e na comunidade em geral.

Os incêndios florestais foram o tema dominante nos média ao longo de 2017, uma tendência que continuou a aumentar em 2018, principalmente aquando os primeiros aniversários das duas tragédias.  Analisando a cobertura realizada na altura, torna-se claro que os jornalistas reportaram além dos fatos, expondo uma população vulnerável e em estado de choque. Guiados pela pressão editorial e pela competitividade do campo, muitos jornalistas optaram por recorrer ao sensacionalismo, usando a dor das vítimas para ilustrar a história, desrespeitando a privacidade dos envolvidos.

Podemos concluir que há uma influência direta da coberta mediática nas reações de stress em três níveis: o ressurgimento do trauma nas vítimas; o desenvolvimento de uma sintomatologia traumática na população em geral; e a traumatização dos próprios jornalistas. Como tal, os jornalistas devem ter um cuidado especial na forma como partilham informação, respeitando a conduta ética e deontológica da sua profissão, mas também como cidadãos preocupados com as consequências, ao nível de saúde mental, sobre aqueles que estão expostos ao seu trabalho. Apesar da necessidade de garantir a disseminação de informações, uma cobertura sensível e eficaz pode impedir o ressurgimento de memórias traumáticas, protegendo as vítimas de um risco de (re) traumatização.

A formação dos jornalistas sobre a melhor forma de reportar crises, desastres ou catástrofes é um assunto cada vez mais relevante, que deve ser discutido. Esta é uma preocupação preemente do Centro de Trauma/CES, que tem trabalhado a fim de estruturar um grupo de apoio a profissionais dos média, com foco nas questões de trauma psicológico.


Centro de Trauma/CES-UC