Vidas Marcadas pela História: a Guerra Colonial Portuguesa e os Deficientes das Forças Armadas
Projecto
Sumário

A Guerra Colonial nunca encontrou um efectivo espaço de rememoração naquilo que foi a reconstrução democrática e pós-imperial da sociedade portuguesa – é, portanto, um silêncio constitutivo desse processo. Sob vários pontos de vista, os veteranos que adquiram deficiência na Guerra Colonial constituíram a expressão viva de um trauma colectivo que a ordem social democrática quis esquecer. O silenciamento e a marginalização a que os deficientes das forças armadas foram sujeitos consagra-os enquanto testemunhas privilegiados para se resgatarem preciosas dimensões históricas para a compreensão do Portugal contemporâneo. Desde logo, para uma valorização da Guerra Colonial enquanto um momento histórico que deixou duradouras marcas na sociedade portuguesa. A Associação dos Deficientes das Forças Armadas (ADFA) foi criada em 14 de Maio de 1974.

Os princípios e propósitos que orientaram o aparecimento desta associação efervesciam já antes da Revolução de Abril, mas foi no espaço de liberdade criado pela democracia que tiveram oportunidade de se afirmar e ganhar forma institucional. Reivindicava-se como urgente uma estrutura que se dirigisse às profundas consequências sofridas pelos militares que ficaram irremediavelmente marcados pela experiência da Guerra Colonial. Inevitáveis implicações de treze anos ao longo dos quais cerca de um milhão de jovens foi enviado para na Guerra Colonial. Nesse sentido, a ADFA surge como uma reacção tanto à insuficiência das respostas encontradas na Liga dos Combatentes, como às incipientes políticas de reparação que vigoraram até ao fim da Guerra. Não obstante as medidas compensatórias conquistadas pela ADFA, permanece hoje inteiramente vivo esse mesmo retrato da exclusão social e silenciamento a que foram votados os ex-combatentes da Guerra Colonial. Tudo se passa numa contradição entre o “excesso de memória” destes ex-combatentes (na medida em que carregam as marcas biográficas, psicológicas e corpóreas da Guerra Colonial) e o manifesto silêncio da sociedade portuguesa face a um tão significativo conflito.

A nossa hipótese de trabalho é que as vidas descontinuadas pela Guerra Colonial e marcadas pela deficiência carregam significativos elementos de marginalidade e distanciamento em relação à sociedade portuguesa. Dessa posição de “exterioridade” cruzam-se dois vectores de exclusão até aqui pouco valorizados na análise social das desigualdades e dos mecanismos de exclusão da sociedade portuguesa. O primeiro diz respeito à exclusão das pessoas com deficiência de um modo geral: ausência de estruturas de reabilitação, estigmatização cultural, barreiras arquitectónicas, etc. Estamos perante a ideia de que a reparação dos DFA passa inevitavelmente pela urgente criação de condições de inclusão a todas as pessoas com deficiência. O segundo vector refere-se à negligência social sofrida pelos ex-combatentes no retorno a Portugal (negligência das suas histórias de das suas lutas pelas reinserção social).

Nesse sentido, a valorização das narrativas dos ex-combatentes forja uma perspectiva que produtivamente acrescenta ao modo como, a várias instâncias, Portugal tem sido representado. Em causa está, por um lado, a luta dos ex-combatentes (enquanto ex-combatentes e enquanto pessoas com deficiência) pela inclusão social e pelo reconhecimento das duas narrativas. Por outro lado, o Portugal pós-colonial, nas exclusões e inclusões que o definem, enquanto realidade sociopolítica e enquanto formação identitária. Em termos metodológicos este projecto assentará fortemente nas histórias de vida dos DFA, na criação de história oral, e num aturado trabalho documental (no sentido de sistematizar e analisar o material documental existente relativamente à Guerra Colonial e suas sequelas).