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O dorso da cidade: os Sem-Terra e a concepção de uma outra cidade.
João Marcos de Almeida Lopes - Brasil

Este capítulo analisa a construção de uma cidade num assentamento do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, do Brasil (MST).

Em meio a pequenos municípios de forte tradição rural, no centro-oeste do estado do Paraná, na região sul do Brasil, localiza-se o município de Rio Bonito do Iguaçu. Neste município encontra-se parte da Fazenda Giacometi, um extenso latifúndio de aproximadamente 84.000ha de terra, considerada improdutiva em sua maior parcela, o que atestam as imensas áreas sem nenhuma utilização ou ocupação com actividade agropecuária.

Em 17 de abril de 1996, um grupo de em torno de 5.000 pessoas, acampadas ao longo da estrada estadual que atravessa parte da Fazenda e organizadas pelo MST - Movimento dos Trabalhadores Sem Terra -, ocupou um de seus flancos.

A acção, conduzida na madrugada com os cuidados de uma operação militar, conseguiu chamar a atenção pelo porte, pelo significado e pela ousadia. O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA, responsável pela política fundiária rural no país, viu-se obrigado a promover a desapropriação de 17.000ha para o assentamento de 900 famílias e, posteriormente, mais 10.000ha para completar o atendimento a uma demanda de 1.504 famílias, hoje acomodadas em lotes rurais de 5 a 6 alqueires (120 a 144ha).

Constituído como o Projeto de Assentamento de Reforma Agrária Ireno Alves dos Santos, cujo nome homenageia uma liderança do MST local morta em um acidente na estrada que atravessa toda a área, o núcleo rural abriga uma população de mais ou menos 9.000 pessoas, quase 2 vezes a população original do município de Rio Bonito.

Desde quando definida a desapropriação de parte da Fazenda Giacomet e o assentamento das 1.504 famílias de sem-terra, o MST regional vem discutindo a necessidade de construir uma "nova centralidade" para o grupo.

Esta "nova centralidade" permitiria melhor articulação do próprio grupo, tencionando estabelecer regimes mais orgânicos de gestão do assentamento. Assim, também, seria possível implementar algumas alternativas de produção que exigem a articulação com infra-estrutura adequada: postos agroindustriais para beneficiamento da produção do assentamento, micro-indústrias (carpintaria de mobiliário, p.ex.), actividades alternativas de geração de emprego e renda (cooperativas de consumo e de construção civil, sistemas de lazer e recreio, atividades culturais e de formação etc.) ou pequenas instalações para serviços (oficinas mecânicas, sapataria, barbearia etc.).

Além disso, a "centralidade" pretendida permitiria a aglutinação de determinados serviços que, com a dispersão nos 27.000ha de assentamento, tornam-se praticamente inviáveis: ensino de 2º grau, serviço hospitalar, centros de formação, centros para actividades esportivas e culturais etc.

Em 1998, alguns dos assentados propuseram-se resgatar as ruínas de uma antiga cidade-acampamento e sobre elas construir uma nova cidade, promovendo a constituição de um núcleo urbano que integrasse as concepções de produção e de vida a partir da reinvenção da própria idéia de cidade. É esta nova concepção de cidade que é analisada no capítulo.

 
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