Oficina de Poesia
 
 


Oficina de Poesia nºs 8 e 9
10 anos

Data de Publicação: 2007

 
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Editorial

por Graça Capinha - Directora da Revista

a sala de seminários do instituto de estudos ingleses parecia-me sempre enorme a madeira da grande mesa rectangular impondo-se ao centro deixando-nos um pequeno canto do seu castanho antigo como refúgio mesmo debaixo da janela em luz de fim de tarde. as estantes alongam-se até ao tecto sobre a mesa a luz oblíqua as vozes de pouco mais do que meia dúzia de jovens espalhando-se até ao outro lado. e eu ali desafiada respondendo fora das horas no meu espanto ao partilhado espanto pelos versos. finalmente alunos/as a pedir um pouco mais do meu saber (?) sobre a poesia. o grupo é pequeno mas há que acreditar no trabalho à pequena escala como aprendi naquele programa de poética que lá do norte americano me trouxe até aqui. disso queriam também saber mais. da escrita criativa como objecto de estudo e metodologia e de jovens poetas aprendizes vindos de toda a américa para trabalhar com velhos poetas aprendizes.
no ano seguinte com o apoio do meu grupo de estudos anglo-americanos propus-me criar o curso livre "oficina de poesia". assim entrou a nova área nos currícula da faculdade de letras (de alguns anos a esta parte presente também nas opções "poética e escrita criativa" e "escrita criativa no ensino"). desde então a noite passou a ser o tempo do nosso encontro semanal e a pequena sala da biblioteca do centro de estudos sociais albergou dez anos e muitas dezenas de jovens poetas. e muitas leituras muitos exercícios de escrita muitas poéticas muitas discussões tremendas muitas noites que me (nos?) tiravam o sono — o maior desafio a qualquer prática pedagógica. sobrevivi. sobrevivemos. e fortes laços de respeito e amizade foram criando raiz. assumindo a sua transindividualidade poética e/ou discursiva alguns/mas poetas daquela primeira "turma" ainda hoje participam no seminário semanal. outros/as a viver longe mantêm contacto e ainda enviam material para publicação como acontece neste número especial.
uma revista. primeiro anual depois semestral. vários primeiros livros. várias participações em outras revistas e antologias de poesia nacionais e internacionais. prémios literários nacionais e internacionais. militante intervenção poética na comunidade através de leituras públicas e acções de rua. investigação através de experiências interartes (de que Belgais foi ponto alto). acções de formação para professores e alunos/as de muitas escolas do ensino básico e secundário. participação em encontros de poesia. enfim muito trabalho desenvolvido desde aquele pequeno grupo de há 10 anos na enorme sala de seminários do instituto de estudos ingleses.
porque a poesia só tem sentidos na comunidade. no meio do ruído imenso produzido pelo embate sempre violento entre os vários poderes dos vários discursos presentes na sociedade e na história. porque a poesia serve o que não é dizia Dante. só por isso nos serve. na sua radicalidade social e política lugar de procura infinita. não tendo o que dizer sempre procurando o que dizer. sempre experimental sempre um processo e nunca um produto.
dentro do cânone e sem hierarquias de qualquer cânone muitos/as poetas e outros artistas e especialistas reconhecidos/as portugueses/as e estrangeiros/as colaboraram no trabalho da "oficina de poesia" ao longo destes 10 anos. ofereceram inéditos para publicar ao lado de jovens desconhecidos/as. participaram no seminário e/ou nas leituras públicas. com toda a generosidade. porque sabem melhor do que ninguém que toda a arte se o é verdadeiramente significa dádiva generosa. muitos/as — os/as que conseguimos ainda contactar — ofereceram novo trabalho que aqui se publica. alguns/mas — sobretudo artistas visuais — publicam agora connosco pela primeira vez. em meu nome e em nome de todos os membros da "oficina de poesia" a todos/as eles/as — novos/as e reincidentes — o nosso agradecimento.
nenhum deste trabalho teria sido possível sem o apoio dos vários conselhos directivos e científicos da faculdade de letras e do centro de estudos sociais e sem o apoio da reitoria da universidade de coimbra. afinal os mais de 800 anos de história ainda são lugar de abertura intelectual e espaço para a criatividade. a todos/as os/as responsáveis pelo apoio concedido pela nossa universidade também os nossos maiores agradecimentos.
à editora palimage ao seu responsável principal também subdirector desta revista ao poeta e ficcionista ao editor ao membro da "oficina de poesia" ao Jorge Fragoso como agradecer? por todo o trabalho e sobretudo pela paciência para com os sucessivos atrasos na entrega dos materiais. os poemas bizarros a escorrer para fora do centro e das margens. os espaços tresloucados. as línguas desconhecidas. os erros de computador. a permanente limitação financeira. etc. etc. enfim como agradecer? só com muitos poemas palavras outras que nunca serão suficientes. e que coincidência tão reveladora que também a palimage esteja a cumprir 10 anos de existência. e que esta revista seja também uma celebração conjunta. além do agradecimento também os nossos parabéns.
também de forma especial agradecer ao poeta e artista plástico Filipe Cravo também ele membro da "oficina de poesia". mais uma vez no meio dos muitos afazeres da sua ainda jovem mas promissora carreira artística encontrou algum tempo para se dedicar à produção gráfica deste número especial sendo ainda o principal responsável pela participação de muitos/as dos/as grandes artistas internacionais que nela colaboram.
quanto a vós membros da "oficina de poesia" aqueles/as a quem recuso chamar alunos/as e ex-alunos/as chamando-vos apenas poetas — os poetas desta pequena comunidade poética que juntos criámos — e mesmo sabendo que se vos ensinei alguma coisa foi sobretudo a não-comunicação das palavras obrigada pelos 10 anos de desafio intelectual obrigada pelos muitos poemas obrigada pela vossa dádiva generosa e pelo muito que convosco aprendi.
finalmente não posso deixar de agradecer ao público da poesia. àquele que nos acompanhou nestes 10 anos e que fez esgotar alguns dos números desta revista (espantosamente pois a poesia não vende dizem os livreiros). esperamos que nos possam acompanhar durante pelo menos outros 10 anos para que possamos continuar a louvar-vos como Nanni Balestrini vos louva. a vós público da poesia:

(…)
como sempre não tenho nada para lhe dizer
como sempre o público da poesia sabe isso muito bem
mas di-lo apenas de si para si e não em voz alta
não só porque é delicado solícito jovial

e no fundo também reservado optimista de bom trato
mas acima de tudo porque ama
ama de um amor profundo sincero irresistível
dum amor tenaz exclusivo dilacerante
(…)
louvado seja pois o público da poesia
louvado o seu justo nobre grande amor pela poesia
em cujo reflexo nós pálidos e humildes mensageiros
vivemos gratos e bem-dizentes
(…)


Graça Capinha