Utopia é a exploração, através da imaginação, de novas possibilidades humanas de vida coletiva e individual assenta na recusa da necessidade do que existe, só porque existe, em nome de algo radicalmente melhor por que vale a pena lutar e a que a humanidade tem direito.
O desenvolvimento da racionalidade científica e da ideologia a que deu azo a partir do século XIX foi criando um ambiente intelectual hostil ao pensamento utópico. O próprio socialismo, que representava na altura a possibilidade de um modelo social totalmente distinto, teve de rejeitar as suas raízes utópicas para se impor. Por isso, o século XX foi um século relativamente pobre em pensamento utópico, como se este se tivesse tornado obsoleto face ao progresso da ciência e à racionalização da vida social. No entanto, à medida que o século avançou, foram sendo evidentes os limites e os efeitos perversos da crença em soluções técnicas para resolver problemas éticos e políticos. A permanência e até o agravamento da guerra, da fome, da morte por doenças curáveis, da extrema desigualdade social e da destruição ambiental vieram abrir novas possibilidades para o inconformismo em que assenta o pensamento utópico.
A utopia está a regressar, mas desta vez através de iniciativas e experiências sociais concretas, que, apesar do seu âmbito limitado, rompem totalmente com os modelos dominantes de vida social e política e revelam, na prática, a capacidade humana de construir modos mais justos de viver e de conviver. Chamam-se, por isso, utopias realistas, o início da construção de outro futuro, não noutro lugar, mas aqui e agora. Se é verdade que as utopias têm o seu horário, o nosso tempo é o horário das utopias realistas. Torna-se agora mais claro que qualquer ideia inovadora é sempre utópica antes de se transformar em realidade. Porque muitos dos nossos sonhos foram reduzidos ao que existe, e o que existe é muitas vezes um pesadelo, ser utópico é a maneira mais consistente de ser realista no início do século XXI.
Boaventura de Sousa Santos