A noção de espaço público remete para o modo como nas sociedades modernas se constituiu e institucionalizou uma esfera de intermediação entre o Estado e a sociedade civil, onde se expressa publicamente a opinião sobre assuntos do interesse coletivo ou que, relevando de interesses privados, são passíveis de disputa coletiva. Buscando inspiração em Habermas, é o espaço da formação da opinião pública, do debate e do uso da razão argumentativa, onde se podem digladiar opiniões e posições distintas, gerar consensos e dissensos, legitimar vontades políticas ou contestar outras. São diversas as instâncias em que o espaço público se materializa, destacando-se os meios de comunicação social de massas, a rua e, mais recentemente, os novos espaços de debate e formação de opinião proporcionados pela internet.
Referenciada privilegiadamente a um ideal de democracia, esta conceção de espaço público estipula em teoria a possibilidade de participação livre e universal na disputa de opinião, na formação das agendas políticas e no julgamento público das decisões que afetam os coletivos. No entanto, a história tem demonstrado os limites desse espaço de possibilidades. Baseado em instâncias de mediação reguladas e codificadas, o acesso às possibilidades de expressão e visibilização é muito condicionado, não só socialmente (quem tem acesso), mas também política e normativamente (a que temas e posições se reconhece pertinência). O reconhecimento destas limitações e a alegada tendência para o recolhimento dos cidadãos na esfera da privacidade têm alimentado visões decadentistas sobre o espaço público, que denunciam o seu declínio, erosão e perversão.
No entanto, os anos mais recentes têm revelado uma inusitada dinamização do espaço público, que lhe atribui novos sentidos. De movimentos sociais, fóruns de cidadãos ou organizações da sociedade civil mais estruturados a manifestações mais espontâneas ou improvisadas, são muitas e muito heterogéneas as iniciativas que têm vindo a desafiar as lógicas de funcionamento convencional do espaço público, bem como da representação política e do exercício da cidadania. A rua vem recuperando um papel fundamental como lugar privilegiado do exercício de cidadania ativa e da visibilização de ideias e vontades políticas desafiadoras do statu quo e dos poderes dominantes. Recupera assim o seu potencial como espaço de representação (Lefèbvre), ainda que tal potencial se reconstrua no seio de uma relação complexa e ambivalente com outras instâncias do espaço público (como os meios de comunicação de massas ou a blogosfera). Nessa ambivalência e heterogeneidade, o desafio que traz consigo a renovada presença na rua do protesto, da reivindicação e da expressão de visões alternativas parece residir não apenas nas novas causas e agendas sociais e políticas que se inscrevem no espaço público, mas sobretudo no potencial de questionamento sobre as suas lógicas de funcionamento. Ou seja, no seu potencial de reinventar o espaço público como um espaço aberto a uma participação mais abrangente, mais capaz de albergar visões alternativas às mundivisões dominantes e menos refém de codificações e condicionalismos excludentes.
Claudino Ferreira