Fotografia não disponível   Pedro Inácio Pinheiro/Ngematücü
Brasil
(entrevista de Lino João de Oliveira Neves)
Ngematücü, também conhecido pelo nome cristão de Pedro Inácio Pinheiro, é uma das mais importantes lideranças do movimento indígena no Brasil. Nascido em 1944, no coração da área identificada como o local mítico de origem do povo Magüta (autodenominação dos índios Ticuna), na região entre o Brasil, o Peru e a Colômbia, Pedro Inácio foi um dos fundadores do Conselho Geral da Tribo Ticuna (CGTT), a primeira organização indígena surgida no Brasil. Durante muitos anos à frente do CGTT, Pedro Inácio liderou as reivindicações de seu povo pelo reconhecimento dos direitos étnicos, participando como o principal representante Ticuna nas longas e difíceis negociações com o Estado Brasileiro, e com a população regional, que conduziriam ao reconhecimento oficial das terras ocupadas pelos diferentes grupos locais Magüta, no alto rio Solimões, Amazônia.

Excertos


P.:... Aí vocês foram querer regularizar essa terra na FUNAI (1) ^. Como que aconteceu isso?

Pedro Inácio - A gente foi atrás da FUNAI. O problema é que sempre a FUNAI joga que não tem dinheiro, né?! Que não pode resolvê no momento, que tem que ir em busca de dinheiro... Sempre acontece, até hoje, eu acho... Então, aí, assim mesmo a gente lutamo. Cada vêz mais a gente temo lutando com a própria comunidade. Até que a gente conseguiu uns tempo... e viajamo pra Brasília (2) ^, depois que a gente criamo nossa organização CGTT. Aí o povo disse que pelo menos cinco cacique vai aí pra Brasília conversar o Presidente da FUNAI. Porque FUNAI aqui não tá resolvendo quase nada. Então a gente vai levá pra Presidente a mapa escrita. Aí a gente fomo. Isso em 80 e pouco. [...]

P.: Qual era o motivo que vocês falavam que tinha que ter a terra, que a terra era dos Ticuna e tinham que regularizar?

Pedro Inácio: Porque eu tava vendo na Constituição, no Estatuto do Índio, dizendo que os índios que moravam nessa terra, Brasil, chamada hoje, que não era terra do brasileiro, que chama branco, né?! Então, aí a gente baseando com isso, aí a gente entendemo que a terra é nossa porque nós não viemo de outras terras, nós viemos daqui mesmo. Nosso Deus era daqui mesmo. O Deus do branco é outro e talvez de outra terra. Agora nossa terra tá na mão de nosso Deus que é o Yoi (3) ^. Então é por isso que quando os patrão chegaram aqui, os branco, como ladrão, tomaram as terra dos Ticuna...

(...) Nós não tamos nas terras dos outros, tamos na nossa terra. Então assim que nós entendemos. E por isso que a gente pedimo da FUNAI que todas as autoridades competentes reconhecessem que nossa terra... (...) Então, aí a gente dizia: «Mas nós tem nossa língua própria, clã próprio, nós tem Deus próprio». Aí, nós resolvemos que nós temos direito como qualquer outro cidadão também. (...)

P.: Conta para a gente como foi na época da demarcação...

Pedro Inácio: Bom, a gente ia pra Brasília e fazia comissão para ir pra Brasília. (...) Então aí, logo depois da Eco 92 no Rio (4) ^, a gente foi convidado... e lá nos encontramo com um rapaz que veio da Áustria (5) ^ (...) Eles falaram que a próprio organização do povo iriam ter que í buscá alternativa fora do país, os próprios índios mesmo da organização, porque muitos e muitos país estão conseguindo assim. Então assim, que a gente não conseguiu mais aqui no Brasil, nem pra autoridade competente e nem pra FUNAI, já que ninguém consegue, então a gente já tinha isso na cabeça da gente. A gente conversamo, se reunimo e depois a gente dizemo que temos que buscá o que a gente ouviu na Eco 92. (...) Então depois disso, teve uma conferência mundial indígena na Áustria, nesse momento teve uma viagem pra fora do país e aproveitamo de fazê uma chegada com o governo da Áustria. Nesse tempo eu tava participando como uma das pessoas desse Conferência Indígena Mundial. Então nesse tempo eu tive na Áustria pra podê ser feito e assinado o convênio com o Presidente da Áustria, pra podê saí o dinheiro pro povo Ticuna, pra podê saí a demarcação. Assim que aconteceu. Então como eu estava na Áustria eu assinei, pois nesse tempo eu era Presidente do CGTT, eu tinha direito de assiná esse convênio (6) ^... E foi assim que a gente conseguimo essa terra que foi demarcada por causa desse dinheiro que a gente mesmo fizemo... [...]

P.: Você acha que para o futuro esse tipo de organização indígena ainda vai ser importante ou depois da demarcação das terras não vai ser mais preciso?

Pedro Inácio: É sempre importante. Porque não é que a gente tamo organizado e já conseguimo várias coisas que a gente vai deixá o pai morrê, a gente não pode deixá morrê pra gente não ficá órfã. Que sempre permaneça a nossa organização, porque isso vem da raiz de nossa cultura, então não pode morrê. Colocamo em papel que quando o nosso povo morrê, o Magüta morrê, também as terras acabará, as água terminará e a luz também acabará. Só quem poderia formá outro povo indígena Ticuna é o Ngutapa, Yoi que pode terminá todo o movimento do povo da terra e pode criá outro, mas nós não podemos terminá a nossa maneira de vivê. Nós permanecemo assim mesmo, mesmo que nós já temo casa, já feita, com segurança, mas continuamo nossa cultura e nossa organização que tem hoje.


Notas
(1) ^Fundação Nacional do Índio, órgão responsável pela de ação indigenista do Estado Brasileiro.
(2) ^Capital do Brasil.
(3) ^Heróis criadores do mundo Magüta.
(4) ^Conferência da Nações Unidas sobre Meio ambiente e Desenvolvimento (CNUMAD), também conhecida como Conferência Rio, realizada na cidade do Rio de Janeiro, em junho de 1992.
(5) ^Representante do governo austríaco que apoiou a demarcação das terras Ticuna.
(6) ^A partir de um Convênio entre o CGTT e a FUNAI, e das negociações ocorridas durante a Eco 92, o Centro Magüta conseguiu financiamento junto ao governo da Áustria para a demarcação das principais terras indígenas Ticuna.

 
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