Fotografia não disponível   Paula Lima
Brasil
(entrevista de Roberto Véras)
Paula Lima é trabalhadora e dona-de-casa. Mãe de 2 filhos, um com 15 e outro com 20 anos. Mora em São Bernardo do Campo, município da Grande São Paulo. Mulher de um operário da fábrica da Ford de São Bernardo. Participou activamente do movimento dos 2800 trabalhadores demitidos pela fábrica em dezembro de 1998, particularmente liderando o envolvimento das famílias dos operários. Actualmente, concilia a condição de trabalhadora, dona-de-casa e militante em organizações de mulheres trabalhadoras, organizações populares e no Partido dos Trabalhadores.

Excertos


P - Paula, como foi o momento em que seu marido recebeu a carta de demissão?

Paula - Isso foi às vésperas do Natal, no dia 23 de dezembro. Eu tava de saída para comprar alguma coisinha pra ceia do Natal, quando o carteiro bateu palma... Peguei a carta e a entreguei na mão do meu marido... Eu falei pra ele: "olha, o carteiro falou que a Ford está diminuindo o seu quadro de funcionários". Quando ele leu... Nossa! Não acreditou. Ele viu escrito lá: "rescisão de contrato de trabalho". Eu olhei pra ele e ele olhou pra mim, a gente se abraçou naquele momento, sabe? Aí, ali, eu falei pra ele: "não vamos fazer nada nesse momento, vamos procurar o Sindicato".

P - Vocês já tinham contato com o Sindicato?

Paula - Eu, não. Meu marido, sim, mas era muito pouco. Eu falei pra ele que no dia 4 de janeiro eu iria na assembléia convocada pelo Sindicato. Nós chegamos lá, de madrugada, o portão tava trancado. O pessoal do Sindicato abriu e entramos. Estava todo mundo lá, e todo mundo falando, falando... E, aí, Vicentinho olhou e falou assim: "aqui tá o retrato de uma família desempregada, esposa, marido e o filho; tá aqui". Quando ele falou isso, acabou a assembléia... aí, choveu de jornalistas em cima de mim, do meu filho, do meu marido...

P - Naquela assembléia surgiu uma esperança de que aquela situação pudesse ser revertida?

Paula - Surgiu no momento em que Marinho disse que a luta ia ser muito difícil. Mas que, se a gente conseguisse resistir, nós iríamos vencer. E, aquele dia, eu saí de lá confiante de que pudesse acontecer alguma coisa, se a gente fizesse também alguma coisa, né? Depois da assembléia, as mulheres começaram a ligar, e perguntar quem era eu. E começaram a ligar pra mim... Nós começamos a conversar, pra poder começar a fazer um movimento... Começaram a aparecer as pessoas... (...) Vieram muitas pessoas dar força... Às vezes muita gente ligava dando apoio... Até a televisão, o Sindicato dos Bancários, o Sindicato dos Químicos, dos Metroviários, de muitos lugares, sabe? Trabalhadores de outras fábricas. Principalmente, quando nós começamos a fazer a arrecadação de alimento, de dinheiro, pra poder manter o nosso movimento.

P - De tudo que aconteceu, daquele movimento, o que ficou mais marcante pra você?

Paula - O que ficou mais marcante pra mim foi que tudo que eu falava pras pessoas, pras mulheres principalmente... não sei o que elas viam em mim. Teve um dia lá na fábrica que eu falei pra elas: "vamos fazer alguma coisa, porque se a gente não fizer eu não sei o que vai acontecer". Eu lembro que eu convidei toda a mulherada. Aí, naquele momento, eu levantei dali, agarrei no braço do meu filho, fui chamando as mulheres, uma agarrando no braço da outra, assim, e fomos caminhando pra portaria da fábrica, onde ficam as roletas. Aí, ficamos ali, sabe, de braços cruzados... Sei lá, foi um momento de fé, de união. E também o dia que nós levamos as panelas pra porta da fábrica, montamos uma toalha no chão, as panelas todas vazias. Nas panelas tava escrito: "fome", porque na nossa mesa já tava faltando comida... E o dia, também, da passeata do Natal simbólico, que eu vi que tinha mãe que levou até seu filho paralítico, na cadeira de rodas, empurrando-o a passeata todinha.

P - Você acha que você mudou, com esse movimento?

Paula - Com certeza, eu mudei. Hoje, eu sou mais ser humano, sabe? Se, antes, eu era uma pessoa solidária, se eu já gostava de fazer alguma coisa por alguém, hoje eu faço 10 vezes mais do que eu posso. Hoje, eu sou mais ser humano. Hoje, eu sou mais mulher... Porque eu não me conhecia como mulher... Eu não sabia a força que eu tinha, de poder fazer alguma coisa por alguém, de poder ajudar... Eu não perdi o espírito de luta, sabe? Eu, agora, procuro sempre tá fazendo alguma coisa... Então, hoje, eu tô participando do movimento de mulheres. Eu fui atrás. Eu não fiquei parada, eu não quis cruzar os braços. Eu passei a ter muito carinho pelo pessoal do Sindicato. A CUT eu não conhecia. Passei a conhecer através dessa luta. (...)

A gente tem que acreditar, lutar e ter fé. Porque a gente, sem fé, não move montanha de jeito nenhum. A gente tem que ter muita fé. E nós tivemos muita fé. Eu acho que é por isso que, hoje, nós tamos onde tamos, porque nós tivemos muita fé, esperança. A pessoas devem ter mais confiança em si próprias, fazer alguma coisa por elas mesmas, não ficarem esperando, de braços cruzados, que algo venha até você. Vá, corra atrás de alguma coisa, faça alguma coisa por você, pelo seu próximo... A gente tem que se sentir útil. Eu gosto de me sentir útil, agora. Antes, eu não me conhecia como mulher, que tinha força pra fazer alguma coisa. Hoje, eu sei que posso.

 
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