Fotografia não disponível   Papá Zimba e Mamã Carolina Tamele
Moçambique
(entrevista de Maria Paula Gutierrez Meneses)
Maciane Zimba, actual Presidente da Associação dos Médicos Tradicionais de Moçambique(AMETRAMO) é natural de Gaza, onde nasceu em 1934. Enquanto jovem trabalhou como mineiro na África do Sul, altura em que pela primeira vez foi atacado pelos espíritos. Tendo ficado bastante doente, regressou no fim do contracto à sua terra onde durante dois anos se formou como médico tradicional. Desde 1954, altura da sua formação, que é um conhecido médico, e desde cedo se dedicou à luta pela constituição de uma Associação destes profissionais. Carolina Tamele, sua esposa, nasceu também em Gaza, sendo médica tradicional (nyàngà) desde o início da década de 70. Após a independência do País, e apesar do clima de repressão que estes médicos sofreram por parte do Estado, ambos se dedicaram profundamente à causa da legitimação da sua profissão. Conscientes da necessidade de um diálogo aberto com os distintos campos médicos em presença em Moçambique, as vozes destes tinyàngà são exemplo de uma complexa luta por sistemas múltiplos de saberes.

Excertos


P - Como surgiu a ideia da AMETRAMO?

Tamele - Quando entra a revolução outros curandeiros foram queimados na altura porque não queriam que existissem curandeiros. Nós teve de lutar para o governo - no tempo de Presidente Samora - para fazer a AMETRAMO. Mas sempre teve muitos problemas...

P - Mas qual é o objectivo da Associação [A AMETRAMO foi formada em 1991]

Zimba - Parece esse é bom para todos os médicos tradicional estar engajado na Associação. A Associação é ela que vai defender a todos os problemas dos médicos. Há um curandeiro que cura uma pessoa, outro morre, morre na casa do curandeiro. Se acontece hospital, não prende. Com nosso médico, vai preso...

Depois, outro diz que o curandeiro curou, que ele está bom, mas ele queria falar mal com aquele curandeiro. Diz que: "ele não curou bem, vou levar, quero regressar o meu dinheiro". Está a ver isso? Outra vez curandeiro fez trabalho dele, tratou pessoa e levou dinheiro dele; depois essa pessoa vem reclamar, diz que não está bem curada. Quando a pessoa queixa na Associação, nós resolve esse problema.

Antigamente alguns tribunal culpava os curandeiro, quando fazia acusação de feitiçaria; tem homem que acusa mulher dele de querer fazer mal nele com drogas que apanhou num nyàngà... Temos que lutar para acabar com a confusão. Agora já tem Associação registada, é mais fácil, chama o nyàngà que fez isso, para explicar qual era o objectivo dele. É isso que eu pede todos os curandeiros e as curandeiras para entre na associação, porque outras coisas fez mal por aí, diz que é AMETRAMO. Médico nosso que faz mal tem que ser castigado na AMETRAMO. Pagam multa quando fez mal. A AMETRAMO tem Conselho Fiscal que trata desses problema, fiscaliza os médicos tradicional.

P - Porque é que deixaram de trabalhar com os hospitais?

Zimba - Lá não fala com os curandeiros, outros diz que os curandeiros não sabe nada. Eu disse não, eu já é formado em medicina tradicional faz muito tempo, fiquei em casa, a trabalhar. Lá nem chama a gente de médico. Diz que é "praticante"...Essa palavra não serve. A gente estuda, faz exame, sabe remédios, sabe ajudar pessoa.

Tamele - Tem doenças que são moçambicanas, que só nós sabe, só nós conhece. Essa doença dos espírito, só nós é que conhece e posso tratar. Remédios do hospital cura fora essa doença, mas não chega lá dentro, para fazer sair a doença cá para fora... Não passa, volta outra vez...

P - E como é que vocês estão a trabalhar sobre o SIDA? Situação está mal... muita gente está a morrer...

Zimba - Pessoa doente vai no hospital e médico diz que tem SIDA. Depois não faz nada. Quando tem malária, faz pica [análise ao sangue], dá remédio, a pessoa fica bem. Mas agora? Médicos não sabem curar SIDA? De onde veio essa doença? São os brancos que trazem. O branco viu que ainda não tinha conseguido acabar com os negros, mandou o SIDA dele. É luta própria contra os africanos, contra os negros. Nós fomos nascido aqui faz muito tempo. Nasceu nós todos aqui, nunca faltava remédio para curar. Agora diz que não há remédio desse SIDA. Morre gente só assim... Que é que está a acontecer? É uma guerra grande agora. Muitos africanos morre de SIDA, e diz que não tem remédio para curar, e ninguém ajuda. Médicos da AMETRAMO tem que fazer alguma coisa. Somos pobres, mas sabemos. Nós sabe fazer remédios que ajuda essa gente que diz que tem SIDA. Somos médicos. Porque lá no hospital não chama a gente para ajudar a tratar? Porque só quer que a gente informa as plantas que a gente usa? Só os remédios de África é que curam? Então porque não vamos trabalhar juntos?

Tamele - O Governo não faz as coisa certa para nós poder viver bem. Negro é negro. Surge sempre algo difícil de tirar; ele devia antes de mais arranjar alguém para procurar o fundo da sua vida e as suas raízes tradicionais, para escutar bem o que os antepassados tem para dizer a ele. O poder de chefe é tradicional, é escolhido pelos antepassados. O chefe tradicional não é para ser escolhido pelas pessoas. O filho ou o neto é que deve ser... Senão põe um qualquer. A Frelimo gosta da Unidade Nacional, enquanto não cumpre a Unidade Nacional, não cumpre as regras nossas Antigamente nyàngà era ouvido pelos chefes, tinha força dos espíritos. Porque é que no Parlamento não podem entrar dois tinyàngà para ajudar na solução de alguns problemas? Nós podia ser conselheiro; o nosso trabalho era para acalmar discussão dos deputados. Não é isso que diz, que todo é moçambicano, todo é igual nessa lei dele?

 
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