Vulnerabilidade intergeracional ao trauma

Paralelamente à recolha de narrativas privadas e públicas, o projecto Os Filhos da Guerra Colonial: pós-memória e representações realizou um estudo exploratório no âmbito da Psiquiatria com vista a estudar a hipótese de vulnerabilidade psicopatológica nas famílias de ex-combatentes.

Assim, e de acordo com a revisão de literatura realizada sobre os possíveis efeitos que a guerra poderá trazer para os filhos de ex-combatentes, foram seleccionados métodos que permitiriam detectar, por um lado uma possível marca biológica de transmissão geracional de vulnerabilidade ao trauma, representada pela variação dos níveis de cortisol salivar, e por outro lado a transmissão de padrões de funcionamento emocional potencialmente desadaptativos, analisados por escalas de avaliação psicológica. As escalas utilizadas foram:

- o Inventário Breve de Sintomas (BSI, de Derogatis, 1993);

- a Escala de Vinculação do Adulto (EVA, de Collins e Read, 1990);

- o Questionário de Trauma Infantil (CTQ, de Bernstein e Fink, 1997);

- a Escala de Avaliação de Stress Pós Traumático (PDS, de Foa et al, 1997);

- a Escala de Avaliação de Impacto revista (IES-r, de Weiss e Marmar, 1997); e

- parte do Questionário de Esquemas de Young (YSQ, de Young, 1990).

A equipa traduziu e aferiu para a população portuguesa três destas escalas: a IES-r; a PDS e o CTQ.

No caso dos filhos de ex-combatentes portugueses, dois grupos revelam traços intergeracionais importantes. O primeiro é, paradoxalmente ou talvez não, o grupo dos filhos de desertores, cuja narrativa biográfica está logo a priori marcada pela opção de recusa do pai, com uma infância vivida fora do país que vão tentando descodificar ao longo do tempo. O segundo grupo é o grupo dos filhos de homens profundamente marcados física ou psicologicamente pela guerra. Desde a infância, estes filhos tiveram que lidar e tentar compreender a condição do pai. Hoje, estes filhos estão mais vulneráveis a problemas psicológicos e emocionais.

A análise preliminar dos dados recolhidos por estas escalas identificou variações significativas nos valores psicométricos de filhos de ex-combatentes vítimas de stress pós-traumático, e variações indicativas nos níveis de cortisol, que contudo requer maior análise e estudo. A análise das entrevistas com os filhos deste grupo comprova estes dados.