A banca está no epicentro da atual crise. Sendo vital para a economia, o crédito confere um enorme poder a quem o controla. Portugal, com a integração monetária, beneficiou de um financiamento externo acessível que pôde canalizar para uma pouco produtiva economia da construção com o apoio de um Estado que criou um regime fiscal favorável à banca e à compra de habitação própria. A banca beneficiou também de privatizações geradoras de comissões ou lucrativas parcerias público-privadas.
A banca portuguesa não foi diretamente atingida pela crise imobiliária e bolsista norte-americana. Sofreu sobretudo o embate da perda de confiança generalizada nos mercados interbancários europeus onde se financiava. Hoje enfrenta o crescimento do crédito malparado fruto da fragilidade das famílias e empresas resultante da austeridade imposta pela UE e FMI. Esta intervenção externa teve contudo o seu apoio. O financiamento externo garantido pela Troika adiou uma reestruturação da dívida pública nacional, que muito prejudicaria a banca que nela tem um dos seus principais ativos, e facilita a sua recapitalização, minorando perdas para os acionistas. Os bancos têm ainda o privilégio, não conferido aos Estados, de poderem aceder a financiamento a taxas de juro quase nulas por parte do BCE, por prazos cada vez mais longos e com cada vez menos restrições, o que lhes permite ir consolidando os seus agora fragilizados balanços.
Tendo beneficiado de condições de exceção que não foram oferecidas a nenhum outro ramo de atividade económica, a banca tem a capacidade de transferir cada vez mais encargos para o Estado sem que estes sejam devidamente acompanhados de contrapartidas de controlo público direto, já que são os recursos públicos que estão a ser mobilizados e já que o crédito é um bem público. O caráter privado da banca continua a ser ideologicamente preservado, enquanto os seus prejuízos são por todos partilhados.
Ana Cordeiro Santos