Na “sociedade do conhecimento”, em que o papel da linguagem e da cultura como meios de produção surge como claramente decisivo, é iniludível a centralidade dos objetos tradicionais das Humanidades – o ser humano no tempo e no espaço, a cultura, a memória, as linguagens e os respetivos usos sociais. Ao mesmo tempo, contudo, no contexto da universidade, transformada num sistema burocrático organizado segundo critérios de eficiência e de racionalidade económica moldados pela lógica do capitalismo neoliberal em tempos de globalização, a vulnerabilidade das Humanidades tornou-se mais patente do que nunca.
Deste ponto de vista, a crise das Humanidades não exprime senão a crise mais geral, dominada pela hegemonia de conceções da economia, da política e da sociedade que conhecem apenas uma razão instrumental e para as quais, por conseguinte, a interrogação autorreflexiva e a busca de sentido próprias da perspetiva das Humanidades são inteiramente irrelevantes.
Neste contexto, o desiderato da antropologização do saber, que orienta a visão renovada de um campo do conhecimento menos interessado num conceito coisificado de cultura do que na forma cultural do mundo, constitui-se como princípio crítico fundamental. Assim, a exploração do potencial ética e politicamente transformador de umas Humanidades inconformadas com a atomização das esferas do conhecimento e da experiência próprias da história única da modernidade ocidental e, consequentemente, apostadas em tomar como objeto uma reflexão transversal sobre o conjunto da sociedade contemporânea em todos os seus aspetos, pode constituir-se como uma parte essencial da crítica ao pensamento hegemónico. Deste ponto de vista, as Humanidades são parte insubstituível do processo de construção de uma alternativa ao pensamento hegemónico, cuja receita para sair da crise é, simultaneamente, a receita para a perpetuação desta e para a consequente negação de dimensões fundamentais do ser humano.
António Sousa Ribeiro