A galáxia socialista acolhe intensos conflitos intelectuais e práticas políticas contrastantes. No âmago das disputas encontramos questões como a natureza dos sistemas de dominação e os meios de os combater, a relação entre indivíduo e coletivo, a visão dos partidos e dos movimentos sociais, o papel do Estado e a extensão da crítica à propriedade ou a posição diante da modernidade e do progresso.
Anarquismo, comunismo e social-democracia constituíram-se ao longo do século XX como os três grandes veios da larga família socialista e foram marcados por fortes discussões e ruturas pungentes. Ainda assim, e arriscando uma definição englobante, dir-se-ia que todos eles se encontram alinhados numa mesma aspiração de fundo, baseada na convicção de que é possível e necessário ativar modos de organização social fundados na igualdade, na solidariedade e na cooperação. Simultaneamente, partilham a noção de que os indivíduos devem ter a possibilidade de se autorrealizar sem serem impedidos por constrangimentos estruturais.
Nos dias de hoje, a crise económica e financeira veio pôr fim à crença no “fim da História” e demonstrou os limites e as perversidades do sistema capitalista. Após o descrédito do “socialismo real”, o socialismo parece agora recuperar espaço para a sua afirmação enquanto crítica e hipótese estratégica. Para isso, torna-se indispensável desbravar caminhos que respondam à crise ecológica, que estimulem a participação, o reconhecimento da diferença e a responsabilidade coletiva, e que recriem o socialismo como ideal democrático por excelência. No entanto, para além de um combate de natureza intelectual, que busque acerto na crítica à dominação e no desenho teórico de alternativas, a atualização contemporânea do desígnio socialista obriga à construção e difusão de modelos económicos, políticos e sociais que trabalhem para romper a hegemonia neoliberal.
Miguel Cardina