De acordo com um entendimento que supera a mera definição técnica, os bens comuns (commons) são os que se revelam indispensáveis para a garantia da vida de todos – a água, as sementes, o ar – e os serviços públicos necessá-rios a que essa vida seja digna.
Nas sociedades pré-capitalistas, os bens comuns tinham uma importância económica e social clara. A não apropriação privada da terra ou da água repercutia-se numa conceção não individualista da pastorícia, da agricultura ou da pesca. A sacralização capitalista da propriedade privada como matriz de organização da relação entre as pessoas e as coisas, e a transformação de todas as coisas em mercadorias potenciais acarretou uma quase extinção da realidade dos bens comuns em favor da sua apropriação privada. Ora, a essa histórica orientação privatizadora, o neoliberalismo contemporâneo acrescentou uma voragem inédita e instalou-a no campo dos bens e dos serviços essenciais à vida digna de todos, desde a água às florestas, à educação ou à saúde.
O pensamento económico dominante do capitalismo neoliberal insinua que, mantendo-se comuns, estes bens tendem a ser sobreconsumidos e a ver a sua qualidade desgastada. A mercadorização desses bens e a consequente definição de direitos de propriedade sobre eles são tidas por tal pensamento como imperativos para corrigir a tendência para o que é designado como “a tragédia dos bens comuns”. Ora, este modo de pensar arranca de dois pressupostos: o primeiro é a prevalência da conceção antropológica individualista e excludente do homo œconomicus; o segundo é a ausência de regras de uso partilhadas por todos os beneficiários dos bens comuns.
Contrariando o primeiro, a ética do bem comum coloca o centro nas condições conjuntas que favorecem o desenvolvimento integral de todos. Em oposição ao segundo, o regime de património comum da humanidade adota as regras da participação, responsabilidade e justiça intra e intergeracional como pilares da administração dos bens comuns.
José Manuel Pureza