Colóquio

Mulheres Hoje: papéis, discursos e representações

Ana Nunes

Bárbara Vallera

Gisele Wolkoff

Isabel Caldeira

Júlia Garraio

Lina Coelho

Sílvia Portugal

21 de março de 2011, 09h45

Sala de Reuniões (1º piso), CES-Coimbra

Identidades diaspóricas no feminino plural: Irlanda e Portugal em poéticas

Gisele Giandoni Wolkoff

A percepção de como representam, ao mesmo tempo em que constituem, as identidades das mulheres na Poesia contemporânea pode nos fornecer pistas acerca da compreensão das dinâmicas sociais advindas das transformações sócioeconômicas (e, portanto, culturais)  porque têm passado Irlanda e Portugal a partir da década de 1970, sobretudo, no que diz respeito as vidas das mulheres. Para além das congruências sócioeconômicas que marcam estes dois países, encontramos uma busca felizmente incessante, tensa e complexa de representação das identidades múltiplas e, também, de constituição dos papéis que as mulheres excercem em seus cotidianos no discurso poético que surge em Irlanda com escritoras como Eavan Boland, Medbh McGuckian e Eiléan Ní Chuilleanáin e em Portugal, com Maria Isabel Barreno, Maria Velho da Costa e Maria Teresa Horta e todas as autoras que a partir destas se tornaram menos invisíveis.

A visibilidade mercadológica, a inovação no discurso estilístico: eis alguns dos sinais que os textos das autoras emergentes nos propiciam e, a partir dos quais, passamos a entender que estamos a ler poéticas femininas. Entretanto, o que é o feminino? Ao escreverem sobre temas plurais e que dizem respeito ao universo humano (ainda que não exclusivos e elas) como poderão as mulheres superar idéias nacionalistas acerca delas próprias, ir além dos estereótipos a elas designados por instituições legítimas como os discursos da cultura nacional, como o da família, das religiões e da educação? Conseguirão se reinscrever e se reinserir sóciopoliticamente a partir da Poesia?
Dada a necessidade de revisão constante tanto das funções sociais da arte, quanto dos questionamentos supracitados, ao ler critica e comparativamente uma seleção de poemas e poetas, esta comunicação lidará com a noção de identidade diaspórica em poesia e tratará de apresentar algumas autoras, a fim de retomar as perguntas aqui propostas e seguir na discussão em torno dos papéis e representações das mulheres hoje.

 

“All the Women Are White, All the Blacks Are Men, But Some of Us Are Brave”: A construção de subjectividades de mulheres na literatura afro-americana”

Isabel Caldeira

O propósito desta comunicação é reflectir sobre a representação das subjectividades das mulheres afro-americanas a partir de textos ficcionais e poéticos contemporâneos, em que se cruzam percepções estereotipadas dos olhares marcados pelo racismo e a necessidade de reconfiguração de identidades emancipadas. Escolhi como foco as representações do corpo e da sexualidade, já que desde a escravatura a imagem das mulheres negras sofreu, aos olhos dos Europeus, deformações inspiradas pela sua visão desumanizadora dos Africanos, o juízo de uma moral cristã maniqueísta e a necessidade de controlo social e sexual. As sequelas deste passado, perpetuadas pelos preconceitos racistas, sofreram transformações e suscitaram resistências várias, que passaram pela conformação às expectativas da moral vigente até à denúncia das consequências dessa “docilização” para a auto-estima das mulheres e a contestação e subversão dessa mesma moral e a assunção de  modelos libertários. 

Uma pequena galeria de representações de mulheres afro-americanas e os discursos da sua opressão e emancipação constituirão matéria de reflexão sobre identidades construídas sobre complexas redes de raça, sexo e classe e uma lógica de distribuição desigual de poder.

 

“As metamorfoses de Ellen Gallagher”

Ana Nunes

Na série, “Cidades de Coral”, a artista afro-americana Ellen Gallagher imagina o Atlântico negro como “Drexciya”, um mundo aquático mitológico, habitado pelos descendentes das escravas grávidas que se atiraram ou foram atiradas dos navios negreiros ao mar, durante a travessia do Atlântico. O resultado da gestação marítima dos fetos são seres metade humanos e metade marinhos, sugerindo uma identidade híbrida, mutável e fragmentada.
Estas marcas de identidade pós-moderna traduzem-se na tela por cabeças desmembradas. 

Usando recortes de imagens e textos publicados em revistas e jornais dos anos 40 e 50, a artista apresenta estereótipos da face negra como “inscrições hieroglíficas duma época onde eram norma as representações grosseiras e racistas de pessoas de origem negra”, como sugere Karen Alexander.
A minha análise incidirá nas estratégias utilizadas por Gallagher para transformar as imagens dos corpos das mulheres afro-americanas representadas pela cultura de massas criando uma série de contra-imagens de sobrevivência. Através destas estratégias, Gallagher traduz a reconfiguração das subjectividades no contexto da desterritorialização forçada dos Africanos para o Novo Mundo.

 

 

“Mulheres, economia e famílias”

Lina Coelho e Sílvia Portugal

O discurso económico conjuga-se no masculino. Construção histórica e socialmente embutida, este discurso (científico) surgiu vinculado aos valores patriarcais prevalecentes. Daí que, embora assente em princípios liberais e utilitaristas e, portanto, na defesa do interesse individual, ele tenha ignorado ostensivamente a duplicidade sexual da espécie e suas implicações na produção, na distribuição e no bem-estar. Só no último quartel do séc. XX esta problemática emergiu no discurso dominante. Mas, mesmo então, as desigualdades sistemáticas de bem-estar e poder entre os homens e as mulheres mantiveram-se omissas porque a teoria não se propõe qualquer objectivo atinente ao questionamento ou à transformação das relações sociais.

Em Portugal, a situação das mulheres na economia e nas famílias sofreu profundas alterações nas últimas décadas. Disso dão conta uma série de indicadores sociais: aumento da escolarização, participação massiva no mercado de trabalho, subida da idade média do casamento, diminuição da taxa de fecundidade, aumento da divorcialidade e da monoparentalidade. A par das mudanças, no entanto, encontram-se diversos traços de continuidade: segregação laboral, desigualdades salariais, elevados níveis de trabalho não remunerado, sobrecarga no trabalho de cuidado. A realidade das mulheres portuguesas, hoje, é diversa e desigual e revela um contexto social em que práticas, discursos e representações estão longe de ser coincidentes.

 

 

Prostituição forçada de mulheres migrantes de Leste no cinema contemporâneo:
Transe, Lilya 4ever e Promised Land

Júlia Garraio

Nos últimos anos, num contexto de crescente interesse pelo problema da exploração de seres humanos para fins de exploração sexual, surgiram numerosos filmes que abordam a temática com maior ou menor profundidade. Nesta comunicação pretendo analisar três co-produções europeias -  Lilja 4ever (Suécia, 2002) de Lukas Moodysson, Promised Land (Inglaterra, França, Israel, 2004) de Amos Gitai e Transe (França, Itália, Portugal, Rússia, 2006) de Teresa Villaverde – que filmam  viagens de mulheres migrantes de Leste em busca de prosperidade como “descidas aos infernos” da prostituição forçada. A partir da imagem da vítima e das estratégias usadas para filmar a violência sexual, tentarei questionar em que medida estas produções reflectem a realidade conhecida da exploração sexual de migrantes e até que ponto o legítimo empenho de consciencialização social e de luta contra a injustiça da parte dos realizadores não poderá involuntariamente contribuir para perpetuar alguns perigosos estereótipos comuns perante situações de violência sexual. Por fim, prestarei especial atenção à tentativa dos filmes de inscreverem o fenómeno numa reflexão sobre as consequências sócio-económicas do fim do Bloco de Leste e a violenta história europeia do século XX.

 

 

“Cinema americano contemporâneo: Final Girls no cinema de terror”

Bárbara Vallera
 

O termo Final Girl foi cunhado pela autora Carol J. Clover na sua obra intitulada Men, Women, and Chainsaws: Gender in the Modern Horror Film, Princeton University Press, 1992 and the British Film Institute, 2004. Este termo é muito importante na História do filme de terror, pois as Final Girls até ao filme híbrido terror/sci-fi Alien de Ridley Scott 1979, nunca sobreviviam sem uma ajuda masculina. A Ellen Ripley é a primeira mulher na História do cinema que “salva o mundo” e a si própria sózinha. Ellen Ripley é a sobrevivente por excelência que abre caminho a outras Final Girls como a Sarah Connor dos filmes Terminator (Já há inclusivamente uma série só sobre ela), Clarice dofilme Silence of the Lambs, Catherine Trammel (Sharon Stone) e a bride dos 2 Kill Bill. A mulher no cinema clássico americano era representada como anjo (virgem) ou demónio (bitch). No cinema contemporâneo esta distinção já não faz sentido, uma vez que a saga Alien traça o estertor da sociedade patriarcal. Deixa de ser o género que está em causa e passa a ser a organização da sociedade, ou seja, o poder económico selvagem, seja qual for o seu “género”.