Seminário

Sobre o sentido jurídico do acesso aos bens sociais fundamentais: apontamentos a partir do direito inter- e trans-constitucional da saúde (os ensinamentos da ONU, em particular)

Luís Meneses do Vale (Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra)

18 de abril de 2012, 17h00

Sala 2, CES-Coimbra

Resumo

Dada a recorrência (mas também a indisfarçável ambivalência) do termo acesso (access, Zugang, accès, accesso, acceso), no seio de diversos jogos linguísticos e no âmbito do próprio discurso jurídico, assim como a crescente relevância prática que o conceito vem assumindo, propomo-nos indagar do seu sentido normativo-jurídico, quando referido à provisão e distribuição dos bens sociais fundamentais, concentrando-nos no caso específico da saúde, talqualmente resulta enquadrado pelos parâmetros inter- e transconstitucionais contemporâneos, em particular dos inspirados no direito internacional.

Começaremos por esboçar uma semiótica do acesso, latamente considerado, atendendo à sua etimologia, e à simbologia arquetípica que lhe está normalmente associada. Interrogar-nos-emos depois sobre o significado social da reiterada alusão ao acesso, recorrendo para o efeito aos diagnósticos exemplares de J. Rifkin (numa perspetiva eminentemente económica e sociológica), B. Stiegler (segundo uma ótica sociológico-cultural e para-filosófica) e P. Sloterdijk (nos termos de uma mais ambiciosa ontologia social).

Posto isto, cuidaremos dos principais nexos entre a ideia de acesso e o direito. Primeiro, tratando de os iluminar com duas ilustrações literárias - Das Schloss e Vor dem Gesetz de Franz Kafka – que funcionarão como alegorias paradigmáticas da inacessibilidade juridicamente relevante. Segundo, analisando alguns aparentes paradoxos da normatividade jurídica, por eles revelados. Terceiro, chamando a atenção para o problema do acesso enquanto pressuposto do direito. Neste último passo, recuperaremos as condições de emergência da juridicidade, elencadas por Castanheira Neves, a fim de reconstruir criticamente a possibilidade de sentido do direito social (mormente público), desdobrado nas suas dimensões subjetiva e objetiva, expresso em categorias múltiplas, referido à justiça geral e distributiva (de cariz social) e devidamente modulado em função das diferentes esferas societais e realidades institucionais em que se projeta, de um modo dialecticamente reconstitutivo (e que assim não só absorve como penetra, inerva e transforma).

Aqui chegados, estaremos em condições de compreender mais cabalmente o sentido do acesso aos bens sociais (como a saúde), que é tarefa do direito garantir, promover e realizar. Desta feita, por sobre os ecos distantes das diversas experiências constitucionais, escutaremos as lições do direito internacional que com aquelas se cruzam, conformando uma rede inter- e trans-normativa de índole proto-constitucional (que acreditamos constituir a matriz da hodierna constitucionalidade de tipo ocidental).

De forma especial, esforçar-nos-emos por trabalhar as referências normativas do direito internacional geral das nações unidas, construindo um quadro compreensivo do direito à saúde - com base nas reflexões expendidas pelo Comité de Direitos Económicos, Sociais e Culturais do Conselho Económico e Social das Nações Unidas - do qual ressaltem as principais valências da noção de acesso que lhe vai implícita (nomeadamente a disponibilidade, a acessibilidade económica, financeira e informacional, a adequação/acomodação, a equidade e a qualidade).

Concluiremos, fornecendo uma síntese o mais condensada possível dessa ideia jurídica de acesso à saúde, jussubjectivamente fundada, e das exigências normativo-objetivas que a substantivam.   


Nota biográfica

Licenciado, Mestre e Doutorando (sob orientação de J. J. Gomes Canotilho) na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (FDUC), estudou também na Facoltà di Giurisprudenza da Universidade de Bolonha e no Centre for Human Rights da National University de Gallway. Concebeu e coordenou cientificamente, com as Dras. Márcia Morikawa e Mariana Canotilho, o Curso de Formação em Direitos Humanos e Direito Humanitário  da Escola Superior de Enfermagem Bissaya Barreto (2005/2006). Foi monitor (2003), assistente estagiário (2004-2008), vogal do Conselho Diretivo (2008-2009) e do Conselho Pedagógico (2009-2011) da FDUC - onde é atualmente assistente e membro da Assembleia (exercendo as funções de secretário).

Comissariou a participação da FDUC na XI Semana Cultural da Universidade de Coimbra (2009). Lecionou no curso de Pós-Graduação Avançada em Finanças e Gestão do Setor Público - a Reforma do setor da Saúde - 2009, organizada pelo Instituto de Direito Económico, Financeiro e Fiscal da Faculdade de Direito Clássica de Lisboa. Regeu a disciplina de Noções Fundamentais de Direito na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (2010/2011) e assegurou as aulas teóricas da disciplina de Deontologia das Profissões Forenses, do Curso de Mestrado em Direito do Instituto Superior Bissaya Barreto, regida pelo Doutor Manuel Lopes Porto, em 2011.

Tem participado em diversas iniciativas da Universidade e da Faculdade e foi também chamado a intervir em colóquios, tertúlias, conferências, pós-graduações e júris de concursos académicos e literários.É sócio fundador da Alumni (Associação de antigos estudantes da faculdade de direito de Coimbra) e da Associação Portuguesa de Filosofia do Direito, colaborador do Centro de Estudos em Direito da União Europeia da Escola de Direito da Universidade do Minho e pertence ao Conselho Científico da Eurofacts (Instituto de Estudos Europeus).


Comentadores/as: Paula Fernando (CES) e Daniel Neves (CES)

Área Científica: Direito