Etimologicamente, resistência é: estar – isto é, tomar uma posição – de forma reiterada. Entrar no mundo – estar – parece então ser a inevitabilidade da resistência: um (re)existir. E, contudo, dando razão a Heraclito, parecemos ter esquecido o que nos é mais familiar e intrínseco: esse processo agonista (de luta, que é também agonia) de afirmação de vida, a fazer-se contra a estase da morte.
Declarado o fim das grandes narrativas na pós-modernidade, parece haver hoje uma espécie de vergonha em usar palavras como “resistência” ou “resistir”. Em Portugal, adicionando-se razões que se prendem com a sua história recente, estas palavras parecem ter-se tornado até ridículas e alvo de troça: como se o 25 de Abril tivesse esgotado toda a necessidade de resistência e só uma certa esquerda antiquada pudesse ainda usar termos tão obsoletos e fora de moda. Este discurso, tornado dominante através das instituições reguladoras (dos média à escola), parece assim levar-nos ao impedimento de (re)existir – é esse o fundamento da tão proclamada inexistência de alternativas para a crise em que nos encontramos. Mas a aceitação deste discurso, poderemos concluir, significa a aceitação da nossa própria in(re)existência. Contra esta linguagem e pela (re)existência do humano, há pois que procurar uma linguagem emancipatória: um esforço poético (do fazer na/da palavra) a incluir uma dimensão profundamente arcaica que, ainda que invisibilizada por um certo sentido de moderno, sobreviveu na resistência da nossa própria humanidade, na permanência reiterada de “estar” – de “tomar posição” na existência. A impossibilidade da alternativa revela-se então como alternativa impossível. Há pois que reatualizar esse arcaico, isto é, ressignificar: reativar o potencial criativo de cada cidadã/o e manter o processo e o movimento da vida. Mesmo sem grandes narrativas, esta consciência do humano permanece – ainda que apenas à pequena escala.
É nessa pequena grande escala que urge trabalhar, sobretudo nestes momentos de crise e de agressão a direitos estabelecidos: resistindo/existindo – em ato (agindo). Só nesse agonismo – que, dizia Olson, leva cada cidadã/o ao imediato, de uma perceção a outra – se faz vivo o processo de participação na expansão do humano. Aí resiste a possibilidade da escolha individual e/ou da (re)invenção de uma linguagem emancipatória: a abertura a novas representações do mundo.
Graça Capinha