Conferência

Porque rugem as ondas do mar: Desvio do Santa Maria. Ataque à prisão de S. Paulo. Descontentamento militar. Lutas civis.

Fernando Rosas (Historiador)

19 de fevereiro de 2011, 15h00

Picoas Plaza, R.Tomás Ribeiro, 65, CES-Lisboa

Enquadramento

Ciclo 1961: o ano de todos os perigos

O ano de 1961 foi, para o regime salazarista, o ano de todos os perigos, vindo a revelar-se como o annus horribilis do ditador. Em distintos contextos, múltiplos acontecimentos marcariam esse ano, prenúncio do final do regime colonial-fascista português. Porque uma das linhas de orientação temática do CES aposta no aprofundar do conhecimento sobre o espaço de expressão portuguesa – e sobre as suas ligações históricas – este conjunto de sessões procura reflectir sobre um espaço unido por várias histórias e lutas.

Em 2011 passam 50 anos sobre esse ano de todos os perigos. Boa ocasião para recordar factos muitas vezes esquecidos, ouvindo os seus protagonistas, enquadrando-os na história comum que une Portugal e os países em que se transformaram – ou se integraram – as suas possessões coloniais.

Logo no início de Janeiro de 1961 tem lugar em Angola um levantamento de trabalhadores da Cotonang, protestando contra as condições de trabalho impostas pela companhia algodoeira. Os protestos são rapidamente reprimidos pelo exército português, mas anunciam o início da luta armada de libertação de Angola, marcada pelo ataque à cadeia de S. Paulo, em Luanda, a 4 de Fevereiro e pelo levantamento armado – que Mário Pinto de Andrade classificava como “jacquerie” – conduzido pela UPA em 15 de Março.


Entretanto, a 22 de Janeiro, elementos do Directório Revolucionário Ibérico de Libertação – congregando militantes da União de Combatentes Espanhóis e do Movimento Nacional Independente, português – apoderam-se do paquete Santa Maria, da Companhia Colonial de Navegação, que rebaptizam de Santa Liberdade, conseguindo uma cobertura noticiosa internacional e abalando profundamente o regime de Salazar.


Em Abril, a crise vem, não da oposição, mas do interior do regime, através da tentativa de golpe liderada pelo Ministro da Defesa, Júlio Botelho Moniz.


Em Junho, cerca de cem estudantes oriundos das colónias portuguesas em África que se encontram em Portugal abandonam clandestinamente o país, muitos deles para se juntarem aos movimentos de libertação.


A abolição do Estatuto do Indigenato, associado a outras reformas, em Setembro, chega demasiado tarde para travar a acção dos movimentos de libertação das colónias, entretanto reunidos na Conferência das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas, CONCP.
A 10 de Novembro, Hermínio da Palma Inácio comanda o desvio do Super-Constellation da TAP Mouzinho de Albuquerque, a fim de lançar sobre Lisboa milhares de panfletos apelando à revolta contra a ditadura.


A 18 de Dezembro, tropas da União Indiana ocupam os territórios de Goa, Damão e Diu. Salazar ordena que as tropas portuguesas lutem até à última gota de sangue, mas o governador, general Vassalo e Silva, recusa-se a obedecer à ordem do Presidente do Conselho e opta pela rendição.


E, na noite de fim de ano, uma tentativa frustrada de assalto ao quartel de Infantaria 3, em Beja, leva à morte do então sub-secretário de Estado do Exército, tenente-coronel Jaime Filipe da Fonseca.
 

 

Programa

Conferência: Fernando Rosas, Historiador.

Projecção do Filme: Santa Liberdade, de Margarita Ledo (2004).

 

Nota biográfica

Fernando José Mendes Rosas (Lisboa, 18 de Abril de 1946) é um historiador e político português. Licenciado em Direito, pela Universidade de Lisboa, em 1969, veio a fazer carreira na Universidade Nova, onde obteve os graus de mestre em História dos séculos XIX e XX, em 1986, de doutor em História Económica e Social, em 1990, e ascendeu a professor catedrático em 2003. É também presidente do Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa, director da revista História e consultor da Fundação Mário Soares. A sua investigação centra-se na história do Estado Novo, tendo mais de uma centena de textos publicados nesse domínio. Filho e neto de republicanos, Fernando Rosas foi militante do Partido Comunista Português e do Movimento Reorganizativo do Partido do Proletariado. Em 1998 ajudou a fundar o Bloco de Esquerda, sendo um dos seus membros destacados. Foi candidato à Presidência da República nas eleições presidenciais de 2001, com o apoio do BE. Foi eleito deputado à Assembleia da República, em 1999 e 2005, pelo Círculo de Setúbal, e em 2009, pelo Círculo de Lisboa.
 

Sinopse do filme

“Santa Liberdade” faz o relato do sequestro do transatlântico português “Santa Maria” a 22 de Janeiro de 1961.Tratou-se de um acto político com o objectivo de chamar a atenção internacional para as ditaduras de Salazar e Franco, uma vez que vários opositores galegos ao regime de Franco protagonizaram o sequestro. Foi um golpe audacioso e essencialmente não-violento (um oficial português foi baleado e acabou por falecer), e apesar de não ter abalado profundamente ambas as ditaduras, revelou-se um passo significativo na luta pela liberdade na península ibérica naqueles anos sombrios. A realizadora galega, Margarita Ledo, num escorreito registo documental , dispondo de escassas imagens de arquivo, relembra o acontecimento através de fotos, recortes de imprensa e entrevistas com protagonistas ou seus descendentes, dando especial atenção aos de origem galega. Um interessante documento sobre um episódio histórico, mantido na obscuridade durante anos pelas duas ditaduras ibéricas.

 

Organização:Maria Paula Meneses e Diana Andringa.

 

Nota: evento associado ao   Núcleo de Estudos sobre Democracia, Cidadania e Direito

 

Para mais informações contactar ceslx@ces.uc.pt .