Teses Defendidas

SONS DO IMPÉRIO, VOZES DO CIPALE. Canções "tucokwe", Poder e Trabalho durante o colonialismo tardio na Lunda, Angola.

Cristina Sá Valentim

Data de Defesa
21 de Março de 2019
Programa de Doutoramento
Pós-Colonialismos e Cidadania Global
Orientação
Catarina Martins e Ricardo Roque (ICS - Universidade de Lisboa / Universidade de Sydney)
Resumo
Esta tese explora as complexidades das relações coloniais de dominação e resistência a partir de práticas que tiveram como denominador comum a música africana e o trabalho forçado no nordeste angolano.

O objeto de estudo são as canções coletadas pela "Missão de Recolha de Folclore Musical" (1950-1960) da Companhia de Diamantes de Angola (Diamang), com particular ênfase nas canções evocativas do cipale (designação local africana para o trabalho forçado ou contratado) gravadas durante a década de 1950 no seio do povo Cokwe. Essas canções, interpretadas por africanos, incluindo trabalhadores contratados, foram integradas nos repertórios dos chamados "Grupos Folclóricos Indígenas" organizados pelo Museu do Dundo. Na forma de discos e bobinas em coleções de "Folclore Musical de Angola", essas canções africanas foram divulgadas a nível nacional e internacional entre África, Europa e América através de exposições, concertos, conferências, estudos musicológicos, programas na rádio e notícias na imprensa e na televisão. Dessa forma, as canções do leste angolano, folclorizadas no contexto das relações coloniais capitalistas da Diamang, passaram a circular fora de África, em diferentes espaços e a diferentes escalas.

O objetivo geral deste estudo é duplo. Por um lado, pretende-se compreender as múltiplas formas pelas quais as canções, coletadas no âmbito da "Missão de Recolha", participaram no sistema colonial português, extractivista e capitalista, visto a partir da Lunda e a partir das circulações das canções gravadas. Por outro lado, pretende-se contribuir para conferir visibilidade às experiências e significados propriamente africanos associados a essas canções, do ponto de vista dos idiomas culturais das sociedades tucokwe da Lunda. Apesar de sujeitas aos modos coloniais de folclorização, argumenta-se, as canções do cipale permitiram aos/às africanos/as ter voz própria no seio de uma realidade violenta e opressora contrária, em princípio, à expressão das suas subjetividades. Para tanto, este estudo reconstrói criticamente a história da produção colonial das canções gravadas, que contempla os processos de criação, de recolha, de gravação, de classificação e de circulação de canções convertidas em coleções coloniais de Folclore Musical de Angola; ao mesmo tempo que recupera, a partir de trabalho etnográfico e história oral, os significados e os usos africanos das canções no seio das vivências coloniais quotidianas do passado.

Sugere-se que parte dessas canções gravadas, e o processo de folclorização de que foram alvo, serviram tanto propósitos de dominação colonial como responderam a vários interesses das comunidades africanas. Essas canções não só funcionaram como ferramentas complexas de dominação colonial úteis ao projeto colonial português, como também foram instrumentos de expressão cultural autónoma e, até, de crítica ao poder colonial, para os/as africanos/as. As canções revelam uma pletora de modos africanos de participação no regime capitalista colonial português da Diamang, denotando várias formas de apropriação e de ressignificação africana da opressão colonial e do trabalho contratado/forçado.

Esta investigação recorre a uma metodologia interdisciplinar combinando uma interpretação antropológica orientada por pesquisa etnográfica com fontes arquivísticas escritas, visuais e sonoras, e testemunhos orais de atores angolanos e portugueses.

PALAVRAS-CHAVE: Angola - Lunda; Cokwe; Diamang - Museu do Dundo; Folclore Musical; Trabalho Contratado - Colonialismo Português