Teses Defendidas

Músicas e Danças Europeias do Século XIX em Cabo Verde: Percurso de uma Apropriação

Gláucia Nogueira

Data de Defesa
12 de Novembro de 2020
Programa de Doutoramento
Patrimónios de Influência Portuguesa
Orientação
Carlos Sandroni e António Sousa Ribeiro
Resumo
Práticas de música e dança que no século XIX eram formas de entretenimento social na Europa difundiram-se pelo mundo seguindo as rotas do colonialismo. Cabo Verde, colónia portuguesa, recebeu essas influências por várias vias: provenientes da metrópole, como é previsível, mas também diretamente de outros países, já que a localização do arquipélago no Atlântico favorecia os contactos com outros povos, por via do transporte marítimo. Duas origens foram decisivas na entrada dessas músicas e danças: os Estados Unidos, onde desde o século XIX uma comunidade de cabo-verdianos imigrados mantém fortes vínculos com a terra natal; e o Brasil, com o qual Cabo Verde manteve, no período em questão, contactos que propiciaram uma influência cultural que deixou várias marcas no arquipélago. Em ambos os casos, as músicas e danças que Cabo Verde recebe são já recriações locais das expressões europeias. Seja qual for a proveniência imediata, estas músicas, tocadas e dançadas em bailes da elite num primeiro momento, por músicos que só frequentavam os salões abastados por serem necessários à animação das festas, acabaram por ser apropriadas por esses violeiros e rabequistas, ganhando feição local. Ao mesmo tempo, por meio deles, passaram do salão para o quintal, isto é, difundiram-se entre as camadas populares. Valsas, polcas, galopes, mazurcas, schottisches eram o que se dançava nas primeiras décadas do século XX em Cabo Verde, assim como sambas, maxixes e a morna, que se ia afirmando como expressão musical popular até tornar-se um ícone da cultura cabo-verdiana. Havia por outro lado, como prática de dança em grupo, a contradança, ou quadrilha. A partir da metade do século XX, esse conjunto de práticas musicais e coreográficas cedeu lugar a novas tendências no gosto do público e muitas dessas expressões desapareceram da memória da maior parte das pessoas. Depois de cerca de três décadas de obscurecimento dessas músicas e danças, após a independência de Cabo Verde políticas do novo poder instituído procuraram valorizar essas - entre outras - tradições, que são então encaradas como parte do património cultural do país. Acompanhar e discutir o percurso dessas expressões desde a sua entrada no arquipélago até os dias atuais é o objetivo deste trabalho. O foco da investigação incide sobretudo na mazurca e na contradança, que são as que chegam mais pujantes à atualidade, e procura-se mostrar como, ao longo do tempo, elas se foram tornando uma tradição cabo-verdiana. Pesquisa bibliográfica, privilegiando a imprensa de várias épocas ao longo do período abrangido; entrevistas e discussões, presenciais e por outros meios, com fontes primárias ligadas ao processo; levantamento e audição de peças musicais relativas à área de interesse foram os métodos de investigação principalmente postos em prática. A elaboração da tese levou, por outro lado, à análise do papel de Portugal no contexto internacional da época em que essas músicas e danças chegaram a Cabo Verde, permitindo compreender a sua posição de colonizador - e portanto emissor de uma influência portuguesa - que tinha a especificidade de ser também um recetor da influência dos países europeus dominantes, como França e Inglaterra. Influência que se traduzia, para o que aqui interessa, em bens de consumo, modas, músicas, danças… Em síntese, pode-se afirmar que a influência portuguesa ocorreu em conformidade com o próprio perfil de Portugal como colonizador - central, mas ao mesmo tempo periférico, sendo um intermediário mas também estando à margem, quando as influências vieram de outros espaços. Reflete-se também, quanto ao momento histórico pós-independência, em que o fervor revolucionário ditava uma reafricanização da mentalidade vigente, sobre como as músicas de origem europeia não foram encaradas como um vínculo ao passado colonial, como aconteceu em outros territórios. Em Cabo Verde, foram vistas como um item, entre outros, da diversidade cultural do país e, assim, do seu património cultural. Finalmente, são explicitados os modos como mazurcas e contradanças são praticadas nos tempos atuais, seja em recriações de pendor folclórico ou obras autorais contemporâneas, em diferentes formas de expressão artística, sempre vinculadas a discursos identitários e assumidas como tradição de Cabo Verde.

Palavras-chave: Cabo Verde; património imaterial; influência portuguesa; mazurca; contradança