CES (com)vida 2020

Vulnerabilidade social e reivindicação laboral num cenário pandémico da COVID-19

Isabel Roque

Artigo

Num cenário de neoliberalismo desenfreado da Indústria 4.0, tem-se verificado o crescimento da precariedade e da flexibilidade, apresentando uma panóplia de novas formas contratuais. A desestruturação do mundo do trabalho foi exacerbada e exposta pela pandemia COVID-19, através da crescente segmentação e precariedade laboral, bem como por via do aumento do desemprego, baixos salários, corrosão dos direitos laborais e desproteção social no emprego e no desemprego. Numa sociedade onde se tem verificado o aumento do trabalho digital e do teletrabalho – e impera cada vez mais o trabalho realizado à tarefa (Gig Economy) e veiculado, sobretudo, através de plataformas digitais e empresas de trabalho temporário – é exigida uma disponibilidade, quase total, por parte do trabalhador, implicando um maior delineamento relativamente às fronteiras entre a vida pessoal e a vida laboral.

Todavia, parte destes trabalhadores precários não foi abarcada pela transição para o regime de teletrabalho, encontrando-se num dilema existencial: ou optam por deslocar-se para o local de trabalho, sujeitando-se ao vírus, ou optam por se resguardar em casa, desempregados e sem qualquer rendimento. Como refere Boaventura de Sousa Santos (2020), o trabalhador precário opta por morrer de vírus ou opta por morrer de fome, ou seja, o trabalhador opta por ficar em casa e perde parte da sua remuneração e/ou o próprio emprego ou expõe-se ao perigo da contaminação para fins de sobrevivência. Este ciberprotelariado encontra-se submetido ao desígnio do “capitalismo digital”, sendo os seus vínculos contratuais mediados por Empresas de Trabalho Temporário (ETT´s) – outsourcing – potenciando os níveis de rotatividade laboral (“turnover”), facilitando o seu despedimento e diminuindo o seu próprio salário.

Após o confinamento como consequência da pandemia COVID-19, o mecanismo de layoff simplificado – ao qual largos milhares de empresas recorreu – protegeu principalmente as empresas, colocando em risco a vida dos trabalhadores mais vulneráveis, como no caso dos trabalhadores dos serviços, desprovidos de qualquer benefício social. Com o crescente aumento dos despedimentos, os jovens adultos e trabalhadores mais velhos, voltaram a cair nas teias da precariedade, pelo facto de ainda se encontrarem em processo de recuperação social e económica da crise da Troika, e também pelo facto de permanecerem em situação de desemprego prolongado ou dificuldade de reintegração no mercado de trabalho, pela extinção do seu posto de trabalho ou pela dificuldade em lidar com as novas tecnologias.

Todavia, neste cenário de precariedade extrema, é de salientar que os trabalhadores imigrantes – sobretudo dos setores da restauração, transportes e hotelaria – foram grandemente afetados, como consequência dos vínculos de trabalho informal que não lhes conferiu qualquer proteção social. Tal conduz a situações de pobreza extrema, com o regresso a casa dos pais, coexistindo diversas gerações na mesma habitação para fins de sobrevivência, e conduz à própria emigração, atualmente dificultada pela pandemia.

Segundo o INE, a presente taxa de desemprego encontra-se em cerca de 15%, pois os despedimentos coletivos e individuais têm sido crescentes, sobretudo num contexto de trabalho flexível e economia informal. As empresas recorrem cada vez mais a mão de obra imigrante e, por vezes, ilegal, sobretudo nos sectores dos serviços, turismo, transportes, fabril, restauração, grandes superfícies, agricultura, artes e espetáculos, telecomunicações, e segurança.

É neste contexto de despedimentos, exacerbado pela pandemia COVID-19, que surge o coletivo “Pela Proibição dos Despedimentos Efectivos”, constituído por militantes e trabalhadores/as que se reclamam da defesa das classes trabalhadoras e dos valores do 25 de Abril. Neste momento, a sua ação encontra-se centrada numa petição dirigida à Assembleia da República para que a proibição efetiva dos despedimentos seja aprovada.  

Para potenciar o Movimento, o coletivo tem realizado plenários virtuais através da Internet, com a presença de trabalhadores/as, investigadores/as e dirigentes sindicais de vários sectores, e pretende disseminar os seus objetivos e recolher assinaturas em concentrações de trabalhadores/as, proceder ao envio de uma carta ao CN da CGTP solicitando uma reunião, efetuar uma concentração em frente ao Ministério do Trabalho para apresentação da petição, convocar a presença da comunicação social para conferências de imprensa e entrevistas acerca dos objetivos do Movimento e, por fim, organizar um segundo debate para a sociedade em geral através de videoconferência.

Segundo Slajov Zizek (2020) e Ricardo Antunes (2020), a classe trabalhadora tem agora a possibilidade de reinventar um novo modo de vida social, laboral e ambiental. Estas novas formas de organização de luta laboral, como é o caso do Movimento Pela Proibição Efectiva dos Despedimentos, revelam a necessidade de reformular a agenda sindical e de apostar em novas sinergias entre sindicatos e movimentos sociais, e entre os próprios sindicatos, numa luta global contra o vírus da precariedade.

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Roque, Isabel (2020), "Vulnerabilidade social e reivindicação laboral num cenário pandémico da COVID-19", Jornal "O Militante Socialista" Ano XII. II série, nº 151, 7. 28.09.2020