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Investigação do CES-UC conclui que a pandemia contribuiu para intensificar as desigualdades estruturais na Academia

©engin akyurt @Unsplash


O Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra (UC) acaba de divulgar os resultados do projeto de investigação Pandemia e Academia em casa - que efeitos no ensino, investigação e carreira? Estudo sobre as mudanças no sistema científico e de ensino superior, que teve como objetivo conhecer as estratégias de adaptação ao trabalho docente e de investigação sob a COVID-19, por instituições e pelos diferentes grupos que compõem o pessoal académico.

Os resultados do estudo empírico conduzido no âmbito deste projeto financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia – FCT (linha de financiamento excecional Gender Resaerch 4 COVID-19), em linha com as conclusões de outros estudos internacionais, demonstram que as transformações provocadas pela COVID-19 nas atividades de ensino e investigação em Portugal fizeram emergir novas fontes de desigualdades (ou agravaram as já existentes, mas ocultas ou subestimadas) entre mulheres e homens, e entre pessoas com agregados familiares de composição diferenciada.

Os resultados evidenciam, ainda, que as respostas dadas pelas instituições aos desafios impostos pela crise pandémica foram limitadas/insuficientes no propósito de amortecer os seus efeitos nas condições de trabalho e desempenho de docentes e investigadoras/es. As instituições do ensino superior e de investigação assumiram que a criação de condições de trabalho em regime remoto era um problema sobretudo individual, pouca atenção dando às dificuldades que cada pessoa que nelas ensina e/ou investiga enfrentava para acomodar as responsabilidades profissionais e familiares no contexto de trabalho a partir de casa. Realce-se que, por exemplo, cerca de 80% da amostra não tinha tido experiências prévias de ensino por meios virtuais, tendo abruptamente passado a lecionar de forma remota, sem qualquer preparação pedagógica ou mesmo técnico-científica. Depressa também se percebeu que as gerações de estudantes – que nasceram na chamada ‘era digital’ – pouco estavam preparadas para substituir a sala de aula pelos écrans, pela falta de autorregulação e de motivação para a aprendizagem, mas também, em muitos casos, por falta de meios tecnológicos e logísticos, nas suas habitações, para acompanharem as aulas. 

As exigências impostas pela situação pandémica e pelos vários períodos de confinamento parece, assim, ter deixado entregues à sua sorte, ou à disponibilidade de recursos materiais e imateriais (exemplos: mobiliário de escritório, aparelhos tecnológicos, programas informáticos), docentes e discentes, mais ou menos apoiados pelas suas redes formais e informais de suporte. Os homens autodescreveram-se como mais capazes de, por si, resolver os problemas enfrentados e as mulheres tenderam a valorizar mais o apoio recebido por colegas e familiares. Houve ainda mais concordância, por parte das mulheres, com a afirmação de que a pandemia veio agravar as desigualdades já existentes entre estudantes, não explicadas por fatores económicos.

Os resultados apontam para o reforço das desigualdades de género na divisão do trabalho académico durante o período pandémico, assumindo as mulheres a maior parcela de esforço associada ao acréscimo das exigências materiais e emocionais de ensino/aprendizagem e serviço académico durante este período - constituindo aquilo que a literatura identifica como “trabalho doméstico académico”. Assim, 56,6% das mulheres reportaram aumento no tempo despendido no atendimento e acompanhamento de estudantes (em contraste com 45,8% dos homens) e em tarefas de gestão desempenhadas para as instituições durante a crise pandémica (47,7% versus 39,9%), atividades que, apesar de essenciais para o adequado funcionamento das organizações científicas, são geralmente subvalorizadas e invisibilizadas.

O estudo releva também o impacto do aumento das tarefas de cuidado/apoio escolar associadas à maternidade e à paternidade sobre o volume e organização do tempo disponível para o trabalho profissional. Um resultado particularmente saliente releva a situação de fragilidade do pessoal académico com crianças pequenas, em termos de possibilidades de dedicação de tempo ao trabalho profissional. Por exemplo, mulheres e pessoas com crianças pequenas reportaram com maior frequência insatisfação em relação ao seu desempenho científico: 1 em cada 5 das mulheres, face a 1 em cada 6 homens, e 1 em 4 pessoas com crianças pequenas, face a 1 em cada 5 pessoas sem crianças ao cuidado). As contingências associadas às medidas de contenção da pandemia contribuíram, assim, para criar/reforçar desigualdades entre pessoas com e sem crianças ao seu cuidado nas possibilidades de dedicação de tempo à esfera de trabalho profissional/académico, nas suas diversas vertentes.

O estudo também aponta para a maior severidade da pandemia na produtividade científica das mulheres, especialmente com crianças pequenas, expressando assim uma tendência de agudização da penalização da maternidade na academia no contexto pandémico.   

Na publicação “Pandemia e Academia em Casa - efeitos no ensino, na investigação e na cidadania académica sob uma perspetiva de género” (disponível online) apresentam-se detalhadamente os resultados do projeto, que foram sintetizados em quatro pequenos vídeos, que podem encontrar-se nas seguintes ligações:

1. O Projeto e as medidas institucionais de enfrentamento da COVID-19
2. Adaptação do ensino e da investigação durante a crise pandémica
3. Confinar e perecer? Impacto da crise pandémica no desempenho científico
4. A divisão sexual do trabalho doméstico e do trabalho doméstico académico durante a pandemia

Por fim, como forma de dar respostas aos múltiplos desafios enfrentados pela Academia na sequência da crise pandémica, e evidenciados pelo estudo, foi produzido o “Policy Brief: Propostas para uma Academia mais Igualitária no Pós-COVID-19”, no qual se propõe a implementação de um conjunto de 30 medidas, norteadas pelo objetivo de promover uma Academia mais igualitária no país.

 

Ficha técnica:

Este estudo baseou-se num Plano de Investigação Misto, operacionalizado com recurso a desk-research, um inquérito eletrónico (aplicado em março/abril de 2021), que originou 1.750 questionários validados, 4 entrevistas focalizadas de grupo, com um total de 31 participantes, e 7 entrevistas semiestruturadas a representantes de entidades relevantes para o sistema do ensino superior e científico nacional. A informação produzida através destas abordagens foi analisada com recurso a técnicas estatísticas descritivas e inferenciais e a análises de conteúdo temáticas.

 

Equipa:

Virgínia Ferreira (Coordenadora) - Investigadora do Centro de Estudos Sociais e Professora Associada da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra.

Cristina C. Vieira – Investigadora do Centro de Investigação em Educação de Adultos e Intervenção Comunitária da Universidade do Algarve e Professora Associada da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra.

Mónica Lopes – Investigadora do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra.

Caynnã de Camargo Santos – Investigador do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra.

Com a colaboração de: Luísa Winter Pereira (Bolseira); Joana Teixeira Ferraz da Silva (Bolseira); Florbela Vitória (Estatista)