Seminário ecosol-ces
Os desafios das economias baseadas na solidariedade e na reciprocidade e não na maximização do lucro
Eber Quiñonez
Pedro Hespanha
Santiago Conti
em data a anunciar
Sala 2, CES | Alta
Em oposição à lógica dominante do individualismo, da competitividade e do produtivismo, valores como a solidariedade, a cooperação, a equidade e a sustentabilidade são colocados em destaque em muitas iniciativas desenvolvidas em territórios muito distintos. Alguns exemplos são as cooperativas de trabalhadores que subvertem a precariedade laboral, as formas de propriedade comunal que desafiam a lógica individualista e os fechamentos de mercado em ambientes rurais e urbanos, as plataformas digitais que fogem à lógica extrativista dos algoritmos opacos, as redes de abastecimento agroecológicas ou o associativismo comunitário que põe em pratica a gestão coletiva dos cuidados.
Para alterar substancialmente as regras básicas de funcionamento da economia atual, é preciso de repensar radicalmente o papel do trabalho, dos mercados e da propriedade. Uma economia pautada pela sustentabilidade, igualdade, suficiência e cuidado, e que procure atender às necessidades humanas garantindo a distribuição equitativa do trabalho socialmente necessário e o controlo social sobre o investimento, exigirá um vasto leque de experiências e ferramentas para atingir estes objetivos.
A análise detalhada destas experiências permite compreender o horizonte atual de possíveis transformações, juntamente com as tensões, ambivalências e negociações que emergem quando estas experiências interagem — e, por vezes, colidem — com as estruturas institucionais e os quadros morais, normativos e legais, bem como com a lógica económica vigente e os limites ecológicos existentes. Ela revela a existência
de um ou mais dos três dilemas e tensões inter-relacionados que as experiências enfrentam ao implementar as suas aspirações transformadoras: 1) dilemas e tensões entre os valores a que aderem e a sua inserção numa lógica de mercado capitalista; 2) dilemas e tensões entre as suas agendas políticas e as promovidas pelas administrações públicas; e 3) dilemas e tensões entre a sua projeção a longo prazo e/ou o alargamento das suas propostas e a manutenção da coerência ideológica.
A projeção temporal e a escalabilidade apresentam riscos de replicação de lógicas produtivistas e competitivas, ou de estilos de governação e organização do trabalho social e ecologicamente insustentáveis, de acordo com os princípios políticos e morais das iniciativas. Este dilema é especialmente complexo porque as iniciativas operam num contexto em que a sua sustentabilidade e o reconhecimento do sucesso são avaliados com base numa lógica de eficácia, segundo a qual: o crescimento em escala (económica e social) e a capacidade de perdurar ao longo do tempo são o que possibilita a sua sustentabilidade, ao mesmo tempo que possibilita o reconhecimento do seu sucesso, o que, por sua vez, e muitas vezes de forma recíproca, favorece a sua sustentabilidade.
Esta lógica perpassa as práticas quotidianas das diversas experiências, mas também abre um horizonte de questões que desafiam as pessoas que as promovem e nelas participam. É preciso analisar a forma como, neste contexto, as iniciativas procuram sustentar formas de participação democrática e de governação coletiva, apesar das novas exigências organizacionais e da carga de trabalho que o crescimento traz. Existem estratégias para acolher e envolver grupos sociais mais diversos, que vejam a sua participação a partir de motivações que vão para além do ativismo: como o trabalho, a socialização e a aprendizagem, ou como utentes de um serviço que vai ao encontro de necessidades específicas. Neste contexto, é fundamental rever como as estruturas narrativas e os valores fundadores que unem estes projetos e lhes dão sentido são atualizados ao longo do tempo.
O poder transformador das iniciativas reside precisamente na sua agência, transformando estas tensões e as suas próprias incoerências em espaços de reflexão crítica, experimentação e ação coletiva. Contudo, a sua manutenção e avanço não podem depender apenas da resiliência daqueles que os sustentam quotidianamente, mas exigem uma necessidade de promover o papel das instituições públicas – para além do reconhecimento discursivo – como agentes reguladores das pressões de mercado e facilitadores efetivos de transformações ecosociais urgentes. Torna-se necessário reforçar e manter formas de participação coletiva que vão para além de um compromisso baseado no consumo responsável ou na satisfação das necessidades individuais. Tudo isto implica uma responsabilidade partilhada pelos processos que viabilizam as iniciativas: desde o acesso aos recursos às condições de trabalho e à sustentabilidade organizacional. Neste sentido, o potencial das "Economias Transformadoras" reside não só naquilo que propõem, mas também na sua capacidade de se ligarem a agentes e instituições que contribuem para processos mais amplos, sustentados e partilhados de mudança estrutural.
Notas biográficas
Pedro Hespanha | Es profesor jubilado de la Facultad de Economía de la Universidad de Coimbra y miembro fundador del Centro de Estudios Sociales. Ha investigado y publicado en los campos de estudios rurales, políticas sociales, sociología de la medicina, pobreza y exclusión social. Fue profesor invitado en varias universidades extranjeras y participó como investigador principal en varios proyectos y redes de investigación nacionales e internacionales. Desde 2008 hacia 2023 coordinó el Grupo de Estudio de Economía Solidaria (ECOSOL/ CES). pedro.hespanha@gmail.com
Santiago Conti | Doutor e Bacharel em Psicologia (Universidad de Buenos Aires -UBA). Mestre em Psicologia Comunitária (Universidad de Chile - UChile). Diplomado em Desenvolvimento Local e Economia Social (FLACSO). Pesquisador Associado do Conselho Nacional de Pesquisas Científicas e Técnicas (CONICET) de Argentina. Professor universitário de graduação na disciplina "Ciência, ética e intervenção socioprodutiva e ambiental" das Engenharias Ambiental, Eletrônica, Telecomunicações e Bacherelado em Economía da Universidade Nacional de Río Negro (UNRN). Professor universitário de pós-graduação na UNRN e na UBA. Áreas temáticas de trabalho (ensino, pesquisa, extensão) Agricultura Familiar – Extensão Rural - Modelos de Intervenção Social – Pesquisa Científica e Tecnológica – Tecnologias Sociais - Desenvolvimento Rural - Economia Social e Solidária – Circuitos curtos de comercialização - Estudos de Gênero - Organização Comunitária
Eber Quiñonez | Es investigador en la Escuela Superior Agraria del Instituto Politécnico de Coímbra (ESAC/IPC), en el proyecto Agrovila, es también miembro del Grupo de Estudios de economía Solidaria (ECOSOL/CES). Doctor y Máster em sociología por la Facultad de Economía de la Universidad de Coímbra y licenciado en Psicología en la Universidad de San Carlos de Guatemala. Sus intereses de investigación incluyen la pequeña producción agrícola, la agricultura familiar, la producción y el consumo alimentar, los comunes y la economía solidaria.